sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Crítica: Deixe-me Entrar


Direção: Matt Reeves
Gênero: Suspense/Terror
Duração: 115 min.
Ano: 2010

“Espetacular!”
(The Independent)

“Excepcional!”
(Time Out)

Uma demonstração de vampirismo promissora

Nos últimos anos, temos visto a cultura pop reciclar certos temas de forma bastante apelativa, direcionando-os a um público mais jovem, ainda que isto soe predominantemente como um pleonasmo. Isto foi o que aconteceu, por exemplo, com os vampiros, que, de monstros góticos e seculares ganharam nova roupagem – nem sempre bem aceita –, tornando-se ícones adolescentes. Aproveitando essa onda de “ressurreição” dos bebedores de sangue, aliada à falta de originalidade generalizada que assola Hollywood, o diretor Matt Reeves (realizador do considerável sucesso “Cloverfield: Monstro”) apresenta mais um remake para o rol da temática vampiresca, já tão desgastada. Contudo, “Deixe-me Entrar” (Let Me In) difere agradavelmente da maioria das produções atuais do gênero ao trazer uma abordagem séria e crua ao assunto, resgatando conceitos essenciais do mesmo, ao tempo em que inova na própria estrutura e rumos da história.
“Deixe-me Entrar”, refilmagem americana do cultuado filme sueco “Lat den rätte komma in”, apresenta uma proposta ousada na narração da trama, uma vez que os protagonistas são crianças – e uma delas é vampira. A inovação do filme, entretanto, está na postura assumida: o distanciamento de infantilidades; não há pretensão de atenuar violência ou apresentar personagens rasos, por se tratar de crianças, mas, pelo contrário, determinados assuntos “adultos” são tratados com naturalidade no decorrer da projeção, sem maquiagem ou floreios visuais.
Girando em torno do garoto Owen (Kodi Smit-McPhee, em uma interpretação espetacular), a história revela seu cotidiano difícil, principalmente por sofrer humilhações e bullying na escola; uma cena em especial, em que ele passa por um terrível constrangimento no banheiro é perturbadora o bastante para o espectador notar que evidentemente não está diante de um produto típico para o público infantil.
É em um desses momentos de revolta por tais humilhações que Owen conhece Abby (Chlöe Grace Moretz, a nova Carrie), uma garota mais ou menos da idade dele, que acabou de se mudar para o apartamento ao lado de sua casa. A partir de então, desenvolve-se uma relação razoavelmente amistosa entre eles, embora Owen estranhe os mistérios em torno de Abby, como sua insensibilidade ao frio e a intolerância à comida.
Chama a atenção o contraste construído pela história ao apresentar a vampira mirim Abby: nos momentos em que está com Owen, ela é melancólica, mas afável e o filme assume, nesses momentos, contornos de romance infantil, muito inocente; entretanto, nas situações em que Abby caça e ataca para se alimentar – e, a essa altura, já está claro que ela não aprecia coelhos ou esquilos – ela é selvagem e assustadora, garantindo as cenas mais sangrentas do filme. Este contraste, esta dualidade de personalidade conforme o instante é uma das melhores sacadas da obra, pois garante um equilíbrio entre as ações da personagem, afastando-a do clichê de ser politicamente correta e dando-lhe profundidade, multidimensionalidade.
Muito se fala que o filme original de 2008 é muito superior ao remake, mas, bem avaliado, isto não corresponde tanto à realidade, primeiro porque o filme de Reeves possui uma abordagem notavelmente distinta do filme sueco. Enquanto a película de Tomas Alfredson era baseada num livro homônimo, mais concentrado no drama e na sutileza psicológica, deixando o vampirismo quase em segundo plano, o novo filme busca um ponto de equilíbrio entre esses temas, dando, porém, ênfase à ação. Isto não significa que o roteiro da refilmagem deixa a desejar; não; nesta versão, conforme mencionado, a perspectiva é diferenciada e, embora a violência gráfica e a ação com toques de suspense policial sejam os principais atrativos, os demais aspectos do longa não decepcionam o espectador.
A transposição da história de Estocolmo para Novo México preservou as características básicas do filme original no plano visual (como, por exemplo, o cenário: uma cidade fria, onde está sempre nevando), enquanto Matt Reeves demonstrou habilidade em controlar o timing do filme, dando aos personagens mirins o tempo necessário, sem pressa ou atraso no desenvolvimento da história, para que a mesma não soasse artificial ou forçada.

Em resumo, “Deixe-me Entrar” é, com certeza, um dos melhores filmes de vampiros dos últimos anos, competindo apenas, provavelmente, com seu original a cujo nível dramático não chega, mas que também não pretende alcançar dessa forma. Reeves constrói um filme com identidade própria e, se podemos dizer que remakes são desnecessários, “Let me In” prova que ao menos podem ser satisfatórios quando bem feitos. 


Conceito: Ótimo
Nota: 9,0



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

RESENHA: Amor Pleno




“Não há o que errar. Você pode ser o que quiser.”, a frase é dita em um momento muito oportuno do mais recente filme de Terrence Malick, Amor Pleno (To The Wonder). Ao contrário da experiência surrealista de A Árvore da Vida, o longa estrelado por Ben Affleck e Olga Kurylenko vai além do imaginário. Centrado em um conteúdo realista, a produção desconstrói as relações humanas e os sentimentos mais profundos e desejosos pelo homem: amor, liberdade, fé.
Conduzido através de pequenos monólogos, a trama acompanha duas histórias paralelas, sempre com foco na relação dos personagens de Affleck e Kurylenko. A trilha sonora é um combustível crucial no longa-metragem, e retrata os mais variados sentimentos com leveza, sutileza e algumas vezes, angústia. Nada muito diferente das reflexões que vivemos diariamente. Isto porque, torna-se fácil identificar-se com o teor das escolhas realizadas ao longo dos 112 minutos apresentados.
    Relações humanas podem ser vindouras ou destrutivas, dependendo das escolhas realizadas. Ainda assim, a principal emoção extenuada no roteiro de Malick é a pura e simples carga de expectativas que depositamos no outro alguém. Característica incomum no cinema atual, fugindo do estabelecido em diálogos, lágrimas em excesso e gritos de histeria. Não. Não é preciso isso em Amor Pleno. O cineasta também imprimiu elementos autobiográficos na produção, já que morou em Paris na década de 80, onde se envolveu romanticamente, mas acabou retornando aos EUA e casando-se com uma antiga colega do colegial. O desejo de entender os sentimentos passados tornaram possível esta experiência cinematográfica ímpar.
    Entender o amor. Nunca foi fácil ou tampouco será desvendado com facilidade. Os maiores poetas da humanidade buscaram as mais variadas estrofes que lhes permitissem exemplificar em páginas o sentimento mais conhecido e ao mesmo tempo tão distante do mundo atual, mas há de reconhecer em cenas disformes, closes distantes e cortes rápidos, que não necessariamente as palavras conduzem o amor. Imagens podem, e devem ser usadas como forma de diálogo. Não por acaso, Terrence Malick carrega uma curta filmografia, mas resultante de um trabalho intenso por amor a sétima arte e a vida.

Amor Pleno é uma incessante busca ao palpável. No alcance das mãos ou dos lábios, vislumbrando o horizonte, tudo é possível. Todos somos possíveis. Escolha.

Resenha originalmente publicada no site "Mirando no Cinema" .






quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Crítica: Além da Fronteira


Direção: Michael Mayer
Gênero: Drama
Duração: 96 min.

Ano: 2012


“(...) sensível e tenso, sensual e cheio de suspense.”
(The Hollywood Reporter)

“(...) um campo minado de conflitos sociopolíticos.”
(The Moviejerk)


Conflitos sociopolíticos e sexuais alternando-se com impressionante realismo

Em um ano de grandes e aguardados lançamentos cinematográficos – de longas jornadas de fantasia épica a remakes de filmes de terror – eis que surge uma obra relativamente discreta em comparação com os blockbusters, mas de profunda e ousada complexidade temática: “Além da Fronteira” (Out in the Dark), do pouco conhecido diretor Michael Mayer. Retratando o contexto sociopolítico atual da zona de constantes conflitos entre Israel e Palestina, o filme de Mayer preza pelo realismo sem “enfeites” na sua narrativa quando fala da tensão e instabilidade sociais que permeiam ambos os povos. Entretanto, como ponto de partida a essa realidade desconfortável de insegurança e apreensão, a história narra o conturbado relacionamento homoafetivo entre o estudante palestino Nimr Mashrawi (Nicholas Jacob) e o advogado israelense Roy Schaefer (Michael Aloni).
Vê-se, então que os protagonistas são de “casas” inimigas, o que poderia transformar o filme numa espécie de Romeu e Julieta gay, mas não é isso o que acontece, já que, embora o drama amoroso entre eles seja o eixo da história, não se sobrepõe ao contexto no qual esta se desenvolve. Também não há muito tempo para sentimentalismo melodramático ou nada que, numa obra simplista e vazia viesse a preencher lacunas de roteiro. A começar pela duração acertada da película, de pouco mais de uma hora e meia, tudo é trabalhado com o máximo de brevidade possível, sem estender-se além do necessário, mas também sem pular as etapas da estruturação da história. A relação entre Nimr e Roy é mostrada com naturalidade, sem espalhafato, sem intenção de “chocar”, embora, certamente, a fraca bilheteria no Brasil aponte que este ainda é um país que prefere ver a homossexualidade como tema de humor (vide o sucesso nacional “Crô”) a encará-la com a devida seriedade, ainda mais quando intercalada por questões críticas tão contemporâneas.
Mayer deixa bastante claro desde os instantes iniciais do filme seu propósito de evidenciar o abismo entre as duas culturas e o perigo de tentar transpô-las – um exemplo é a cena em que Nimr se esconde da patrulha israelense para não ser pego ao atravessar a fronteira que separa ambos os povos. O filme, cujo ritmo é fluente e não se perde em questões cronológicas, constrói paralelamente ao relacionamento de Nimr e Roy (que representam, em segundo plano, a dificuldade de entrar em contato com outra cultura) todo um clima de tensão e até certa paranoia; cruzar a fronteira é sempre perigoso, arriscado, alimenta suspeitas de terrorismo e espionagem, suscetíveis a perseguição e, muito comumente, assassinato – como ocorre com um amigo de Nimr que ele vê sendo executado a sangue frio.
Os momentos mais tensos do filme se concentram justamente em Nimr, primeiro porque sua família desconhece a orientação sexual dele; em segundo lugar porque seu irmão mantém um depósito de armas em casa, devido a certos envolvimentos ilícitos com gente “de costas quentes”. Em ambos os casos, como é previsível, a família rui por completo: a descoberta da homossexualidade de Nimr o faz ser expulso de casa, ao mesmo tempo em que tanto ele quanto a família são considerados suspeitos quando o depósito é descoberto.
O clima de perseguição que preenche a projeção fornece pouco tempo para a relação amorosa dos protagonistas, mas isto parece ser premeditado pelo roteiro e direção de Mayer, uma vez que os momentos em que eles estão juntos são significativos e funcionam como eixos estruturais onde a crítica política e a denúncia da intolerância social à mistura de culturas se sobrepõem a diálogos românticos. Ainda assim, há, de fato, cenas em que a intensidade da paixão entre eles é evidenciada, com ângulos inteligentes e meio implícitos que se inserem na história com precisão.

Assim, conclui-se que “Além da Fronteira” é um filme difícil de digerir, sem dúvida... não por ser ruim, mas por retratar duas temáticas delicadas aqui entrelaçadas numa teia de realismo e injustiça impressionantes.
Ainda que o drama da relação conturbada entre Roy e Nimr seja o epicentro do filme, é interessante ver como os conflitos sociopolíticos assumem alternadamente o primeiro plano da obra, tornando os protagonistas meras vítimas de uma realidade cruel e opressiva, não apenas por sua opção sexual (se bem que esta é um "agravante" no conjunto da trama), mas por viverem na fronteira entre regiões em constante tensão, onde nunca se pode dizer, de fato, que estão em paz ou seguros. Entenda-se por “fronteira” tanto a delimitação geográfica dos espaços que os separam quanto o limite metafórico entre seus mundos pessoais.


Conceito: Muito bom
Nota: 8,0

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Crítica: O Morro dos Ventos Uivantes




Direção: Andrea Arnold
Gênero: Drama/Romance
Duração: 128 min.
Ano: 2011

“Audacioso, um filme bárbaro”
( The Guardian)

“Brutal e comovente”
(Daily Telegraph)

“Glorioso”
(The Times)

Uma perspectiva crua e visceral do romance clássico

Como grande parte dos clássicos da literatura universal, a obra “Wuthering Heights”, da inglesa Emily Brontë, tem longa carreira em versões para cinema e outras mídias. Algumas dessas adaptações tiveram grande aceitação de público e crítica, como foi o caso do filme de Peter Kosminsky, estrelado por Ralph Fiennes e Juliette Binoche; outras, ou por não abordarem a obra em sua completude literária, ou por dar preferência a uma perspectiva diferente da mesma obra (a fim de evitar ser “mais do mesmo”), não ganham o merecido destaque e são até incompreendidas pelos leitores mais rigorosos do livro. Nesta última categoria está o filme de Andrea Arnold, a mais recente versão cinematográfica do romance de Brontë, que possui uma abordagem notavelmente distinta – às vezes até gritante – da obra.
O filme narra a história icônica da família Earnshaw, moradores do Morro dos Ventos Uivantes, cujo patriarca, depois de uma longa viagem, traz consigo um garoto que achara perdido, a quem batiza com o nome de Heathcliff. Já aqui duas considerações ficam claras e intencionalmente diferentes do livro: primeiro, os Earnshaw não são uma família rica, vivendo num simples casebre; segundo, Heathcliff é negro. Chegando à casa, Heathcliff é, a princípio, hostilizado por Cathy, a filha legítima do dono da casa; entretanto, com o tempo, à medida que Cathy se aproxima de Heathcliff e começa a nascer um vínculo intenso entre eles, o irmão mais velho dela apenas intensifica seu ódio pelo garoto, a quem vê como um intruso na casa. Com a morte do dono da casa, Heathcliff passa a ser humilhado e castigado constantemente por Hindley, ao mesmo tempo em que desenvolve um sentimento de posse a mágoa em relação a Cathy, a quem ama, mas por quem é abandonado quando ela aceita o pedido de casamento de Edgar Linton, um jovem rico da região. Sentindo-se traído, Heathcliff foge do Morro dos Ventos Uivantes, retornando apenas alguns anos depois, com dinheiro, sem saber direito o que fazer, mas magnetizado pelo poder exercido sobre ele por Cathy.
Essencialmente, o filme preserva a identidade da obra em que se baseia, embora tome liberdades criativas que muitos espectadores desaprovam; não há aqui a retratação de valores aristocráticos (não em destaque), mas uma visão visceral sobre as diferenças entre “os mundos” dos protagonistas e seus anseios atemporais. Se, por um lado, essa atitude de Arnold pode ser considerada ‘subversiva’ em relação ao contexto do romance, por outro lado traz uma interessante inovação ao mesmo, ao abordá-lo sob uma perspectiva mais realista. No caso da representação de Heathcliff como negro, provavelmente a diretora quis ressaltar que além da diferença de classe que o separava de Cathy, havia também a questão racial, numa época em que imperava a rigidez vitoriana (a qual é até mencionada por Hindley: “ele não é meu irmão; é só um negro!”).
Outro aspecto crucial na abordagem de Andrea Arnold foi a ênfase na infância dos protagonistas; mais da metade do filme retrata o desenvolvimento da relação entre eles quando crianças ainda, das descobertas da amizade e do amor reprimido aos sofrimentos e decepções, brigas e outros conflitos daquela fase. De fato, as interpretações das crianças como os jovens Heathcliff e Catherine, respectivamente, ficaram louváveis; ambos demonstraram uma química em cena fantástica, sobretudo o menino carrancudo e malcriado. Para a fase adulta, James Howson e Kaya Scodelario (em substituição a Natalie Portman) interpretam os protagonistas, acentuando suas características ou transmutando-as conforme a situação: Howson vive um Heathcliff amargo e magoado, mas que não hesita em ir humilhar-se diante de Cathy, enquanto Kaya traduz em gestos simples, poucas palavras e um olhar penetrante, todo o fascínio da mulher enigmática que casou-se com outro, mas mantém ainda o seu amor ciumento e irracional por ele.
Falando em aspectos técnicos, a escalação de um elenco desconhecido foi um grande acerto, já que assim as performances ficaram transparentes, de modo que os atores não puderam se “escorar” na fama eventual trazida por outros filmes dos quais poderiam ter participado ou por prêmios que tenham ganhado.
A fotografia e o figurino desta versão de “O Morro dos Ventos Uivantes” certamente enche os olhos tanto dos leitores de Brontë quanto de qualquer outro espectador; com um visual natural ao extremo, evidenciando a paisagem melancólica em que se passa a história, Arnold faz questão de que o ambiente tenha participação crucial no filme, fazendo com que o som do vento, a imagem de pássaros voando, o barulho da chuva e até mesmo o silêncio tenham uma linguagem significativa própria que, aliás, se sobrepõe à linguagem verbal com maestria na maior parte do filme. Curiosamente, o filme não possui trilha sonora – exceto o tema, “The Enemy”, da banda Mumford &Sons, que acompanha os créditos -, o que deixa a projeção com um caráter semelhante ao de documentário, onde há até a câmera subjetiva que acompanha e corre com os personagens, como se fosse um deles.

De fato, se “O Morro dos Ventos Uivantes” possui falhas, elas não estão na liberdade criativa de Andrea Arnold, mas em certas irregularidades de ritmo; como mencionado, mais da metade do filme se concentra na infância de Heathcliff e Cathy. Isto serviu para mostrar como a ligação entre eles foi gradativamente construída e aprofundada, mas teve um reflexo negativo no final. Não houve tempo suficiente para desenvolver melhor a relação entre os protagonistas adultos, o que é lastimável, pois tanto Howson quanto Kaya tiveram interpretações marcantes, embora muito reduzidas pela falta de um roteiro que lhes permitisse maior envolvimento. Faltou aquela dose de romance que devia emergir no fim e deixar as marcas tão conhecidas na literatura; não que não haja romance aqui também, mas é que ficou tudo tão rápido que temos a impressão de que a diretora, depois do ritmo lento do início, tinha pressa em acabar logo o filme. 


Conceito: Muito Bom
Nota: 8,0

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

RESENHA NOSTÁLGICA: NOSFERATU - UMA SINFONIA DE HORROR


Direção: F.W.Murnau
Gênero: Terror
Duração: 85 min.(com variações de edição)

Ano: 1922

Primeiro filme sobre vampiros permanece clássico e inesquecível

Embora Bram Stoker não tenha sido o precursor do vampirismo na literatura, é inegável que foi o seu famoso romance “Drácula” que universalizou, por assim dizer, a figura popular do vampiro, que seria mais tarde abordada incansavelmente, não apenas no papel, mas nas telas também. Coube ao cineasta alemão F. W. Murnau a primeira adaptação da obra de Stoker no longínquo ano de 1922; adaptação essa que é considerada icônica e a melhor de todos os tempos, não necessariamente no quesito fidelidade à obra (até porque os direitos autorais não cedidos impediram um aproveitamento maior da história), mas em relação à própria abordagem do vampirismo no cinema.
         Utilizando-se com inteligência e perícia dos poucos recursos disponíveis para seu tempo, Murnau conseguiu a façanha ímpar de criar todo um universo sombrio, que equilibra tons de sombra e luz bem ao estilo expressionista, em voga na época. De fato, o clima gótico da obra de Stoker é referenciado constantemente nesse jogo de claro/escuro que alterna momentos de tensão e melancolia com maestria, se levarmos em conta o fato de que esta é ainda uma produção em preto e branco, bastante “tosca” para os padrões cinematográficos evoluídos de hoje em dia. Ainda assim, tamanho é o poder de “Nosferatu” que é impossível ficar indiferente às imagens e cenas construídas na justaposição da luz como, por exemplo, no momento em que a sombra ameaçadora do vampiro, esgueirando-se pela parede, aproxima-se da mulher cujo sangue ele precisa provar.
         A representação do vampiro encarnado por Max Schrek é, com certeza, uma das mais célebres e assustadoras já vistas: careca, curvado, com dentes pontiagudos e projetados para fora da boca, unhas compridas e sobrancelhas espessas; visualmente repulsivo, Schrek adiciona à sua imagem uma interpretação inspirada, onde suas expressões faciais, oscilando entre a malignidade e a tristeza, conferem ao personagem a essência do Drácula do livro. Essas variações na expressividade dos personagens são de fundamental importância no desenrolar do filme, uma vez que não há diálogos – é um filme mudo. Assim, como nas obras de Chaplin, é a linguagem gestual/facial que determina a intensidade de sentimentos, sensações e anseios dos personagens, aqui convenientemente transmitidos e captados por Murnau.

         Por fim, há que se destacar a excelente e tétrica trilha sonora de Hans Erdmann, que preenche a projeção com seus tons sombrios, sempre deixando subentendido que algo está prestes a acontecer, mantendo o espectador em crescente – mas, receosa – expectativa. A música do filme justifica com perfeição o subtítulo de “Eyne Symphonie des Grauens”; de fato, é uma sinfonia de horror magistral.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0



O filme “Nosferatu” está disponível online no Youtube, NESTE LINK. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Resenha: Thor - O Mundo Sombrio





Era difícil imaginar anos atrás que fosse possível levar os quadrinhos aos cinemas com tamanha propriedade, e principalmente munidos de pontos satisfatórios para nerds e para um público em geral. Mais uma vez, a Marvel Studios mostra não somente ser viável, como entrega em Thor – O Mundo Sombrio uma de suas melhores produções. O estúdio mostra ter aprendido com os erros do seu antecessor e não teme em largar a mão naquilo que a fez ganhar um lugar cativo em seus lançamentos cinematográficos: a essência caricata dos quadrinhos.
O novo filme do Deus do Trovão passeia literalmente por diversas referências. Indo dos próprios quadrinhos até a cultura pop em geral sem medo de ser feliz.  Aqui, Asgard aparece mais detalhada que no primeiro filme, com detalhes fantásticos e ao mesmo tempo semelhantes com outras conhecidas produções – O Senhor dos Anéis, principalmente. As cenas na Terra também ganham uma atenção especial, resultando em algo bem distante do enfadonho tempo gasto na primeira aventura. Certamente o estúdio merece elogios pela escolha de Alan Taylor (da série Game of Thrones) como diretor.
A trama situa-se após os eventos vistos em Os Vingadores, com Loki (Tom Hiddleston) sendo preso e Thor (Chris Hemsworth) buscando a paz entre Os Nove Reinos. Prestes a tornar-se o próximo rei de Asgard, eis que surge a ameaça de Malekith, O Maldito (Christopher Eccleston), rei dos Elfos Negros que retornou para buscar vingança contra os asgardianos. Seja pela trama ou pelos novos personagens apresentados, o novo Thor mostra-se melhor em praticamente tudo se comparado com o primeiro. Existe espaço para belas cenas e as atuações de Eccleston e Hiddleston, definitivamente são um show à parte. Hiddleston mostra mais uma vez os motivos que levam Loki a ser tão adorado pelos cinéfilos, e mesmo os fãs com históricos de quadrinhos rendem-se ao talento do ator. O mesmo já não pode ser dito sobre Natalie Portman, que carrega sua Jane Foster mais como uma presença obrigatória do que necessariamente por sua relevância em um todo. Aliás, talvez o maior ponto negativo da produção sejam justamente os momentos em que a personagem aparece (o modo como “coincidentemente” se mete no problema provoca vergonha alheia). 

Entretanto, o resultado final de Thor – O Mundo Sombrio é a comprovação ainda maior do amadurecimento da franquia e a certeza que a Marvel trabalha firme para estabelecer o seu Universo nos cinemas com o mesmo empenho demonstrado nos quadrinhos durante décadas, e a cena durante os créditos que mostra um vislumbre de Os Guardiões da Galáxia é mais um futuro motivo para tamanho interesse.


Resenha gentilmente cedida por Guilherme Moreira Jr., originalmente publicada em seu site: "Mirando no Cinema" .



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Crítica: A Morte do Demônio



Direção: Fede Alvarez
Gênero: Terror
Duração: 91 min.
Ano: 2013


Remake de clássico trash peca pela seriedade excessiva

No longínquo ano de 1981, Sam Raimi era um cineasta amador, sem muitos recursos financeiros, mas, ainda assim, decidiu realizar uma obra de horror que conseguisse impressionar o público com a crueza de suas cenas. De fato, com “The Evil Dead”, conhecido no Brasil como “Uma noite alucinante: A morte do demônio”, Raimi deixou seu nome no rol dos criadores dos maiores clássicos do gênero. Considerado exageradamente violento para a época, o filme abusava do uso de secreções, mutilações e outras escatologias, tudo de forma tosca. Isto foi razão suficiente para que o mesmo fosse censurado em alguns países, o que não impediu que o longa se tornasse um Cult, uma lenda do horror.
Era previsível que mais cedo ou mais tarde, seguindo a onda de falta de originalidade hollywoodiana, “The Evil Dead” ganhasse um remake; na verdade, o que é de estranhar é que ele não tenha sido feito mais cedo, se bem que o resultado final explica, involuntariamente, porque isto não aconteceu. A refilmagem, dirigida pelo pouco conhecido Fede Alvarez, com produção do próprio Raimi fica muito aquém do original. Embora seja “agradavelmente” sangrento e muito superior ao filme de 1981 em questão de efeitos visuais (isto é mais que óbvio para qualquer filme atual, em relação aos antigos), o novo “A morte do demônio” não consegue o mesmo feito nos quesitos enredo e desenvolvimento dos personagens.
Na nova trama, temos o grupo de jovens que vai a uma cabana isolada numa floresta – situação mais clichê de um terror teen -, desta vez para ajudar na reabilitação de uma amiga envolvida em drogas. Chegando lá, um dos jovens, que por acaso é o nerd, encontra o famigerado Livro dos Mortos e, apesar das advertências, acaba evocando as forças malignas adormecidas. A partir daí, o horror toma conta da tela até o final da projeção, que culmina com uma literal chuva de sangue.  Dito assim, parece que “A morte do demônio” (Evil Dead, sem o artigo “The” do original) irá satisfazer os fãs de gore; de fato, é provável que sim. Alvarez não economiza nas cenas grotescas de violência explícita, que são, com certeza, surpreendentes e realistas ao extremo. Houve todo o cuidado de deixar tais cenas chocantes, sem o artificialismo evidente da computação gráfica, quase imperceptível aqui. O problema, no entanto, é que o filme destaca demais a violência e negligencia o roteiro e a evolução da história que pretende contar. Assim, o que se vê é um filme que, excluídas as cenas de horror propriamente dito, fica muito raso em sua estrutura, equivalendo a mais um terror genérico para adolescentes.
É interessante observar que, no filme original, o roteiro era muito pior, sem nenhuma profundidade, já que o foco era mesmo o trash. Porém, naquele filme havia a intencionalidade de abordar outros recursos, que, de certa forma, eclipsavam o script e direcionavam a atenção para elementos como as tomadas inteligentes, a câmera subjetiva (icônica no trabalho de Raimi) e o humor negro, muitas vezes escrachado. Isto garantia uma diversão “multiangular”, uma vez que a cena podia ser captada em diferentes perspectivas que se interligavam. No novo filme, intencionalmente ou não, qualquer vestígio de humor foi suprimido, o que tornou a produção muito pesada em seu clima; não há piadas, nem situações cômicas que façam o espectador se inserir naquele ambiente antes de o sangue começar a jorrar. É tudo tão sério e frio que o espectador se sente totalmente de fora da história, como se tivesse permissão apenas para ver, sem poder ao menos conhecer os personagens o suficiente para ter empatia por algum deles.
Obviamente, um filme de terror, como qualquer outro, pode sim ser sério e sombrio; entretanto, para isso é essencial que o roteiro permita tal abordagem, o que definitivamente não acontece com “A morte do demônio”. O filme insiste em querer ser levado a sério, mesmo com uma história clichê e batida que se encaixaria muito melhor no humor, e ainda assim ficaria discutível.
Contudo, alguns elementos de “A morte do demônio” merecem atenção; a fim de fazer o clima ficar aterrador, a fotografia sombria contribuiu bastante, assim como os efeitos sonoros de algumas cenas: o barulho da chuva, a respiração estertorada dos indivíduos possuídos, os instantes clássicos de silêncio que precedem os sustos, etc. Outro destaque é a interpretação de Jane Levy como Mia, a jovem abstinente, a primeira a sofrer os efeitos malignos do Livro dos Mortos. Não é exagero dizer que as expressões faciais e os sussurros dela ao começar a ficar perturbada são mais assustadores que a própria possessão posterior que ela sofre.

Avaliando, por fim, o horror visual do filme – seu ponto forte – um aspecto que chama a atenção é que ele seja quase que exclusivamente um espetáculo de sadismo feminino; note-se que as cenas mais intensas e chocantes são de mortes de mulheres, todas precedidas por alguma mutilação horrível: a moça que corta o braço, a outra que corta a boca (?) e, a melhor de todas, a moça possuída que corta a língua. Tudo é mostrado com o máximo de detalhes sangrentos, e pelo menos nisso os fãs do original irão se deliciar. Também é provável que gostem de algumas homenagens prestadas diretamente ao filme de 81: a já mencionada câmera subjetiva que corre pela floresta, acompanhada do ruído característico e o contraditório estupro de uma das moças por uma árvore possuída. Porém, é difícil crer que o clímax deste novo “A morte do demônio”, embora muito bem elaborado com suas torrentes de sangue, agrade mais os cinéfilos do que o terrível, tosco, ridículo, mas divertidíssimo stop motion do filme original.


Conceito: Bom
Nota: 7,0


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Crítica: Orgulho & Preconceito




Direção: Joe Wright
Gênero: Romance
Duração: 127 min.
Ano: 2005
“Um filme brilhante.”
(Bill Zwecker CBS-TV)

“Delirantemente charmoso”
(Ruthe Stein – San Francisco Chronicle)

Uma adaptação que honra com maestria e elegância a obra de Austen

As obras clássicas da literatura estão constantemente sendo adaptadas para o cinema, mas o resultado nem sempre é agradável. Um dos erros mais frequentes é a ideia de atualizar a história e suas peculiaridades para novos públicos, ignorando-se intencionalmente os “detalhes” de época, que são, afinal de contas, parte essencial no contexto de tais obras. Felizmente, o diretor Joe Wright (pouco conhecido até a produção deste filme) percebeu a importância crucial dos detalhes históricos na reconstrução cinematográfica de um livro e entregou um dos filmes mais fiéis e dignos da obra original já produzidos.
A trama de “Orgulho e Preconceito” (Pride and Prejudice) desenvolve-se a partir da curiosa – mas, muito comum na época – situação da família Benneth, cuja matriarca (Brenda Blethyn) leva a vida planejando bons arranjos de casamento para suas cinco filhas: Jane, Lydia, Mary, Kitty e a protagonista, Elizabeth. Dentro do contexto social da Inglaterra, no século XVIII, esta era uma preocupação de grande importância, uma vez que desses arranjos dependia o futuro de toda uma família. Enquanto as demais Benneth são relativamente passivas diante dessa “obsessão” da mãe em querer casá-las, Elizabeth (Keira Knightley) demonstra um pouco mais de orgulho e espírito livre, não desejando se casar apenas para agradar a sociedade. Quando uma propriedade vizinha à dos Benneth é alugada por um senhor rico e solteiro, a senhora Benneth e as filhas ficam alvoroçadas para conhecer o futuro pretendente. Entretanto, o locatário traz consigo um amigo, Darcy (Matthew MacFadyen), um homem orgulhoso e circunspecto, que vive com Elizabeth uma relação conturbada de aparente rejeição, marcada por epigramas e disputas intelectuais, uma vez que eles fazem um julgamento precipitado do outro.
Esta é a sétima adaptação da obra de Jane Austen (incluindo-se as versões televisivas) e é interessante ver o quanto Wright, mesmo sendo estreante, conseguiu captar a essência do livro e levá-la às telas, sem se tornar repetitivo ou clichê; em vez disso, ele imprimiu um estilo próprio à produção, demonstrando um equilíbrio exemplar em ritmo e desenvolvimento da trama. Algumas alterações notáveis foram feitas no roteiro original, mas não houve desrespeito ao contexto da história ou simplificações no sentido de acelerar a narrativa; o que se vê é um trabalho no qual toda uma pesquisa e um estudo profundo do romance resultaram em cuidadosa produção, riquíssima em detalhes.
Esses detalhes mencionados estão presentes o tempo todo na projeção: a linguagem rebuscada, típica do período em que se passa a história, os cumprimentos por reverência, o puritanismo da intimidade – onde um toque ou um olhar são suficientemente excitantes e demonstram o máximo de afeição -, a submissão das mulheres aos casamentos por acordo dos pais... Essa riqueza de observação histórica, aliada a uma magnífica reconstrução de ambientes de época (mansões suntuosas, salões de baile) trazem à tona toda a beleza do livro, sem, contudo, apoiar-se nesses acessórios para enganar os olhos com um drama meloso.
Na verdade, os protagonistas Elizabeth e Darcy, mesmo que estejam no típico papel de par que se odeia até uma declaração de amor no final, estão muito longe de corresponder às expectativas superficiais de um filme melodramático ou de uma comédia romântica. Eles são personagens complexos, que se desenvolvem com o passar do tempo, revelando que as primeiras impressões negativas que tiveram estavam fundamentadas apenas em uma visão rasa, enquanto, na verdade, todos têm suas razões para ser como são.
Keira Knightley demonstra segurança em sua interpretação cheia de carisma e inteligência, enquanto MacFadyen incorporou brilhantemente o personagem sério e altivo, mesclando um ar aristocrático ao seu lado humano, que se revela em momentos-chave do filme: o toque de mãos quando se despedem, o pedido de casamento na chuva, a confissão sobre sua irmã, etc. Wright consegue, ainda, acentuar a relação entre os protagonistas em determinadas situações, sendo que a mais perceptível é durante o baile, quando Elizabeth e Darcy dançam em um salão “vazio” (está cheio de pessoas, mas o instante é tão lírico que eles só veem a si mesmos). O momento da dança é outro ponto de grande destaque em “Orgulho e Preconceito”, pois representava, na época do romance, um ritual de cortejo, de busca de um par e, certamente, de um cônjuge.

Todo filme que deseje ser lembrado deve ter sua marca própria, seu estilo pessoal, que o torne único. No caso da película de Joe Wright, isto se faz por meio de vários fatores; a fotografia bucólica é fantástica, de uma naturalidade vibrante, enquanto a trilha sonora de Dario Marianelli transmite a leveza ou a emoção necessária a cada momento. Não bastassem todas estas qualidades, o filme tem o charme de inspirar o espectador a querer conhecer a obra literária (ou relê-la), algo raramente observável nas outras adaptações que surgem dia após dia.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0