sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Crítica: O Morro dos Ventos Uivantes




Direção: Andrea Arnold
Gênero: Drama/Romance
Duração: 128 min.
Ano: 2011

“Audacioso, um filme bárbaro”
( The Guardian)

“Brutal e comovente”
(Daily Telegraph)

“Glorioso”
(The Times)

Uma perspectiva crua e visceral do romance clássico

Como grande parte dos clássicos da literatura universal, a obra “Wuthering Heights”, da inglesa Emily Brontë, tem longa carreira em versões para cinema e outras mídias. Algumas dessas adaptações tiveram grande aceitação de público e crítica, como foi o caso do filme de Peter Kosminsky, estrelado por Ralph Fiennes e Juliette Binoche; outras, ou por não abordarem a obra em sua completude literária, ou por dar preferência a uma perspectiva diferente da mesma obra (a fim de evitar ser “mais do mesmo”), não ganham o merecido destaque e são até incompreendidas pelos leitores mais rigorosos do livro. Nesta última categoria está o filme de Andrea Arnold, a mais recente versão cinematográfica do romance de Brontë, que possui uma abordagem notavelmente distinta – às vezes até gritante – da obra.
O filme narra a história icônica da família Earnshaw, moradores do Morro dos Ventos Uivantes, cujo patriarca, depois de uma longa viagem, traz consigo um garoto que achara perdido, a quem batiza com o nome de Heathcliff. Já aqui duas considerações ficam claras e intencionalmente diferentes do livro: primeiro, os Earnshaw não são uma família rica, vivendo num simples casebre; segundo, Heathcliff é negro. Chegando à casa, Heathcliff é, a princípio, hostilizado por Cathy, a filha legítima do dono da casa; entretanto, com o tempo, à medida que Cathy se aproxima de Heathcliff e começa a nascer um vínculo intenso entre eles, o irmão mais velho dela apenas intensifica seu ódio pelo garoto, a quem vê como um intruso na casa. Com a morte do dono da casa, Heathcliff passa a ser humilhado e castigado constantemente por Hindley, ao mesmo tempo em que desenvolve um sentimento de posse a mágoa em relação a Cathy, a quem ama, mas por quem é abandonado quando ela aceita o pedido de casamento de Edgar Linton, um jovem rico da região. Sentindo-se traído, Heathcliff foge do Morro dos Ventos Uivantes, retornando apenas alguns anos depois, com dinheiro, sem saber direito o que fazer, mas magnetizado pelo poder exercido sobre ele por Cathy.
Essencialmente, o filme preserva a identidade da obra em que se baseia, embora tome liberdades criativas que muitos espectadores desaprovam; não há aqui a retratação de valores aristocráticos (não em destaque), mas uma visão visceral sobre as diferenças entre “os mundos” dos protagonistas e seus anseios atemporais. Se, por um lado, essa atitude de Arnold pode ser considerada ‘subversiva’ em relação ao contexto do romance, por outro lado traz uma interessante inovação ao mesmo, ao abordá-lo sob uma perspectiva mais realista. No caso da representação de Heathcliff como negro, provavelmente a diretora quis ressaltar que além da diferença de classe que o separava de Cathy, havia também a questão racial, numa época em que imperava a rigidez vitoriana (a qual é até mencionada por Hindley: “ele não é meu irmão; é só um negro!”).
Outro aspecto crucial na abordagem de Andrea Arnold foi a ênfase na infância dos protagonistas; mais da metade do filme retrata o desenvolvimento da relação entre eles quando crianças ainda, das descobertas da amizade e do amor reprimido aos sofrimentos e decepções, brigas e outros conflitos daquela fase. De fato, as interpretações das crianças como os jovens Heathcliff e Catherine, respectivamente, ficaram louváveis; ambos demonstraram uma química em cena fantástica, sobretudo o menino carrancudo e malcriado. Para a fase adulta, James Howson e Kaya Scodelario (em substituição a Natalie Portman) interpretam os protagonistas, acentuando suas características ou transmutando-as conforme a situação: Howson vive um Heathcliff amargo e magoado, mas que não hesita em ir humilhar-se diante de Cathy, enquanto Kaya traduz em gestos simples, poucas palavras e um olhar penetrante, todo o fascínio da mulher enigmática que casou-se com outro, mas mantém ainda o seu amor ciumento e irracional por ele.
Falando em aspectos técnicos, a escalação de um elenco desconhecido foi um grande acerto, já que assim as performances ficaram transparentes, de modo que os atores não puderam se “escorar” na fama eventual trazida por outros filmes dos quais poderiam ter participado ou por prêmios que tenham ganhado.
A fotografia e o figurino desta versão de “O Morro dos Ventos Uivantes” certamente enche os olhos tanto dos leitores de Brontë quanto de qualquer outro espectador; com um visual natural ao extremo, evidenciando a paisagem melancólica em que se passa a história, Arnold faz questão de que o ambiente tenha participação crucial no filme, fazendo com que o som do vento, a imagem de pássaros voando, o barulho da chuva e até mesmo o silêncio tenham uma linguagem significativa própria que, aliás, se sobrepõe à linguagem verbal com maestria na maior parte do filme. Curiosamente, o filme não possui trilha sonora – exceto o tema, “The Enemy”, da banda Mumford &Sons, que acompanha os créditos -, o que deixa a projeção com um caráter semelhante ao de documentário, onde há até a câmera subjetiva que acompanha e corre com os personagens, como se fosse um deles.

De fato, se “O Morro dos Ventos Uivantes” possui falhas, elas não estão na liberdade criativa de Andrea Arnold, mas em certas irregularidades de ritmo; como mencionado, mais da metade do filme se concentra na infância de Heathcliff e Cathy. Isto serviu para mostrar como a ligação entre eles foi gradativamente construída e aprofundada, mas teve um reflexo negativo no final. Não houve tempo suficiente para desenvolver melhor a relação entre os protagonistas adultos, o que é lastimável, pois tanto Howson quanto Kaya tiveram interpretações marcantes, embora muito reduzidas pela falta de um roteiro que lhes permitisse maior envolvimento. Faltou aquela dose de romance que devia emergir no fim e deixar as marcas tão conhecidas na literatura; não que não haja romance aqui também, mas é que ficou tudo tão rápido que temos a impressão de que a diretora, depois do ritmo lento do início, tinha pressa em acabar logo o filme. 


Conceito: Muito Bom
Nota: 8,0

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