quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Crítica: Além da Fronteira


Direção: Michael Mayer
Gênero: Drama
Duração: 96 min.

Ano: 2012


“(...) sensível e tenso, sensual e cheio de suspense.”
(The Hollywood Reporter)

“(...) um campo minado de conflitos sociopolíticos.”
(The Moviejerk)


Conflitos sociopolíticos e sexuais alternando-se com impressionante realismo

Em um ano de grandes e aguardados lançamentos cinematográficos – de longas jornadas de fantasia épica a remakes de filmes de terror – eis que surge uma obra relativamente discreta em comparação com os blockbusters, mas de profunda e ousada complexidade temática: “Além da Fronteira” (Out in the Dark), do pouco conhecido diretor Michael Mayer. Retratando o contexto sociopolítico atual da zona de constantes conflitos entre Israel e Palestina, o filme de Mayer preza pelo realismo sem “enfeites” na sua narrativa quando fala da tensão e instabilidade sociais que permeiam ambos os povos. Entretanto, como ponto de partida a essa realidade desconfortável de insegurança e apreensão, a história narra o conturbado relacionamento homoafetivo entre o estudante palestino Nimr Mashrawi (Nicholas Jacob) e o advogado israelense Roy Schaefer (Michael Aloni).
Vê-se, então que os protagonistas são de “casas” inimigas, o que poderia transformar o filme numa espécie de Romeu e Julieta gay, mas não é isso o que acontece, já que, embora o drama amoroso entre eles seja o eixo da história, não se sobrepõe ao contexto no qual esta se desenvolve. Também não há muito tempo para sentimentalismo melodramático ou nada que, numa obra simplista e vazia viesse a preencher lacunas de roteiro. A começar pela duração acertada da película, de pouco mais de uma hora e meia, tudo é trabalhado com o máximo de brevidade possível, sem estender-se além do necessário, mas também sem pular as etapas da estruturação da história. A relação entre Nimr e Roy é mostrada com naturalidade, sem espalhafato, sem intenção de “chocar”, embora, certamente, a fraca bilheteria no Brasil aponte que este ainda é um país que prefere ver a homossexualidade como tema de humor (vide o sucesso nacional “Crô”) a encará-la com a devida seriedade, ainda mais quando intercalada por questões críticas tão contemporâneas.
Mayer deixa bastante claro desde os instantes iniciais do filme seu propósito de evidenciar o abismo entre as duas culturas e o perigo de tentar transpô-las – um exemplo é a cena em que Nimr se esconde da patrulha israelense para não ser pego ao atravessar a fronteira que separa ambos os povos. O filme, cujo ritmo é fluente e não se perde em questões cronológicas, constrói paralelamente ao relacionamento de Nimr e Roy (que representam, em segundo plano, a dificuldade de entrar em contato com outra cultura) todo um clima de tensão e até certa paranoia; cruzar a fronteira é sempre perigoso, arriscado, alimenta suspeitas de terrorismo e espionagem, suscetíveis a perseguição e, muito comumente, assassinato – como ocorre com um amigo de Nimr que ele vê sendo executado a sangue frio.
Os momentos mais tensos do filme se concentram justamente em Nimr, primeiro porque sua família desconhece a orientação sexual dele; em segundo lugar porque seu irmão mantém um depósito de armas em casa, devido a certos envolvimentos ilícitos com gente “de costas quentes”. Em ambos os casos, como é previsível, a família rui por completo: a descoberta da homossexualidade de Nimr o faz ser expulso de casa, ao mesmo tempo em que tanto ele quanto a família são considerados suspeitos quando o depósito é descoberto.
O clima de perseguição que preenche a projeção fornece pouco tempo para a relação amorosa dos protagonistas, mas isto parece ser premeditado pelo roteiro e direção de Mayer, uma vez que os momentos em que eles estão juntos são significativos e funcionam como eixos estruturais onde a crítica política e a denúncia da intolerância social à mistura de culturas se sobrepõem a diálogos românticos. Ainda assim, há, de fato, cenas em que a intensidade da paixão entre eles é evidenciada, com ângulos inteligentes e meio implícitos que se inserem na história com precisão.

Assim, conclui-se que “Além da Fronteira” é um filme difícil de digerir, sem dúvida... não por ser ruim, mas por retratar duas temáticas delicadas aqui entrelaçadas numa teia de realismo e injustiça impressionantes.
Ainda que o drama da relação conturbada entre Roy e Nimr seja o epicentro do filme, é interessante ver como os conflitos sociopolíticos assumem alternadamente o primeiro plano da obra, tornando os protagonistas meras vítimas de uma realidade cruel e opressiva, não apenas por sua opção sexual (se bem que esta é um "agravante" no conjunto da trama), mas por viverem na fronteira entre regiões em constante tensão, onde nunca se pode dizer, de fato, que estão em paz ou seguros. Entenda-se por “fronteira” tanto a delimitação geográfica dos espaços que os separam quanto o limite metafórico entre seus mundos pessoais.


Conceito: Muito bom
Nota: 8,0

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