quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Crítica: Fome de Viver




Direção: Tony Scott
Gênero: Suspense/Drama
Duração: 96 min.
Ano: 1983

“Estiloso! Explícito! De tirar o fôlego!”
(Los Angeles Times)

A sofisticação de um clássico gótico sublime

No início da década de 80, época em que Anne Rice estourava no mundo apresentando uma revolução na mitologia e nas histórias de vampiros com o célebre “Entrevista com o Vampiro”, um diretor estreante assumiu a responsabilidade de levar às telas uma trama inovadora, na qual não faltavam nem a atmosfera gótica nem o erotismo mórbido e intenso tão bem explorados nas obras de Rice. Em “Fome de Viver” (The Hunger),Tony Scott – irmão do cineasta Ridley Scott – apresenta uma das obras mais cultuadas e originais do gênero, dando uma perspectiva sofisticada à temática vampiresca, já um tanto “marginalizada” em produções repetitivas ou trash.
Baseado no best-seller homônimo de Whitley Strieber, “Fome de Viver” conta a história de Mirian Blaylock (Catherine Deneuve, simplesmente perfeita no papel), uma mulher misteriosa, elegante... e imortal, que sobrevive através dos séculos com o sangue de seus amantes. Juntamente com John (David Bowie), seu atual amante, com quem aparentemente forma um casal de ricos góticos, Mirian seduz pessoas, roubando-lhes a vida e destruindo os vestígios após se alimentar. O diferencial de “Fome de Viver” começa nas próprias características dos personagens centrais: aqui, os sugadores não queimam ao sol (mas, obviamente, também não brilham diante dele), não temem alho ou crucifixos e nem são demônios irracionais; o ponto principal, porém, diz respeito à curiosa forma como se alimentam. Mirian e John não possuem presas aguçadas como os vampiros tradicionais; para matar as vítimas, utilizam pingentes em forma de ank (um símbolo egípcio) que ocultam uma pequena lâmina, com a qual cortam os pescoços das pessoas. Falando assim, haverá muitos indivíduos que estranharão essa forma de “ser vampiro”, mas é interessante notar que, no decorrer do filme, a palavra “vampiro” não é pronunciada nem uma única vez; de fato, isso é uma conclusão a que o espectador chega ao saber que eles sobrevivem com sangue humano, são imortais, gostam de roupas sóbrias e escuras – sem abrir mão da sofisticação – e preferem andar à noite.
Conforme a trama avança, John passa a sofrer os efeitos de uma raríssima doença degenerativa que provoca um envelhecimento acelerado; preocupada com ele, Mirian recorre à ajuda da Dra. Sarah Roberts (Susan Sarandon), uma médica especialista no assunto, mas os rumos tomados a partir de então são totalmente inesperados. Nasce entre elas um vínculo homoerótico que culmina em uma das cenas de sexo lésbico mais icônicas do cinema.
Combinando o complexo drama do relacionamento entre Miriam e Sarah, e unindo a isso a melancolia da imortalidade, da solidão e da morte, o filme de Tony Scott tem razões suficientes para figurar como um dos filmes mais renomados quando se fala em história gótica. Chama a atenção no filme, justamente, a forma como os elementos da cultura gótica se agregam e ajudam a tecer um conjunto de organicidade exemplar: a trilha sonora “dark”, a fotografia escurecida e sombreada, propositalmente com pouca luz, os diálogos e até os gestos e trocas de olhar, tudo possui um sentido, um porquê, embora sob uma camada sombria de contextos. O roteiro de Ivan Davis e Michael Thomas favorece o desenvolvimento da trama com a sutileza necessária para que Catherine Deneuve transmita, gradativamente, a morbidez e a consciência de que a imortalidade é mais uma tortura do que uma dádiva, o que justifica a intensidade com que ela deve aproveitar a vida efêmera dos seus amantes.
As interpretações de Susan Sarandon e de David Bowie também acrescentam visões particulares dentro do contexto do filme: Sarah, mostrando a médica segura que vê suas crenças se diluírem ao se envolver com Mirian e experimentar algo que não imaginava ser possível; John, evidenciando o sofrimento que acompanha a degradação física e moral que o acompanha a partir do momento em que passa a sofrer sua doença e refletir sobre sua relação com Mirian.
Finalmente, o clímax do filme é excepcional, unindo o drama da perda a uma cena típica de terror com direito a alguns sustos substanciais e um horror visual marcante. Mais de trinta anos após seu lançamento, “Fome de Viver” ainda se mantém em status de filme Cult e, mesmo que não siga a cartilha tradicional de vampiros monstros e nem tenha sido mais um sucesso meramente comercial, preserva a essência obscura e tétrica da psicologia vampiresca, sem ridicularizá-los com a patética apelação romântica adolescente que se tornou modismo contemporâneo.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0