sexta-feira, 14 de novembro de 2014

CRÍTICA: TAXIDERMIA



        
Direção: György Palfi
Gênero: Drama/Comédia/Horror
Duração: 91 min.
Ano: 2006

Uma exposição literalmente visceral dos limites humanos

     Ejaculações, vômitos, defecação, sessões explícitas de evisceração e outras escatologias do gênero preenchem a história de três gerações de indivíduos cuja relação mórbida com seus próprios corpos resulta em uma obra chocante e nauseante, mas bastante enriquecedora. Assim é “Taxidermia”, filme húngaro realizado por György Pálfi. Profundamente nojento, do começo ao fim, o filme perturba o espectador ao mesmo tempo em que o brinda com um roteiro inteligente e repleto de simbolismos. Toda a nojeira que, a princípio, parece gratuita ou pornográfica (há nudez e sexo explícito sob uma perspectiva nada apetecível) possui um contexto interpretativo. Naturalmente, não é nem um pouco agradável constatar isso através da visão de um pênis ejaculando chamas, sendo bicado por uma ave, ou uma pessoa copulando com o cadáver de um porco, ou vomitando ininterruptamente e explodindo de tanto comer, ou, ainda mais bizarro, empalhando a si mesmo.
         Ainda que classificado como terror, o que se nota é um filme dramático com tendências a humor negro e com críticas mordazes ao longo de seus três atos, cada qual girando em torno da situação específica de um indivíduo e suas obsessões.
         Na primeira parte, acompanhamos Moroscovany (Csaba Czene), soldado que durante a Primeira Guerra, vivendo num vilarejo microscópico e quase abandonado, tem a sua sexualidade reprimida, tendo de recorrer ao voyeurismo e à masturbação para se aliviar dos desejos carnais. Esta parte tematiza o sexo como força instintiva do ser humano, obviamente apresentada do modo mais visceral e ‘sujo’, mostrando a bizarrice das fantasias sexuais desenfreadas e insatisfeitas, que variam da adoração à genitália feminina até a bestialidade, que encerra o ato com consequências trágicas para o protagonista.
         Justamente na transição do primeiro ao segundo ato, há um impressionante simbolismo na cena em que uma banheira ‘gira’ em 360º, resumindo a bizarrice e, de modo geral, o ciclo da vida. É uma cena extraordinariamente significativa.
         Esta segunda parte gira em torno de Kalman (Gergely Trócsányi), filho do protagonista do primeiro ato, o qual se torna um imenso obeso em grau mórbido, que participa de competições de glutonaria (ingestão de comida até o limite que o corpo humano pode suportar). A gula é o tema que aparece em primeiro plano, embora se desdobre em outros aspectos, como a “gula” por alguém, o desejo de posse ou a necessidade de absorver tudo ao alcance das mãos.
         Na terceira e última parte, a comicidade doentia dos dois primeiros atos é deixada de lado e é adotado um tom perturbador e psicologicamente bem articulado ao contar a história de Lajus (Marc Bischoff), filho de Kalman – portanto, neto de Moroscovany. Ele é um taxidermista magricela que contrasta exageradamente com o pai, que se tornou um verdadeiro monstro sedentário que mal se move e que depende do filho até para se alimentar. Lajus leva uma vida entediante e repetitiva, empalhando animais e preocupado com o perfeccionismo estético que alcança sua consagração nos momentos finais do filme, quando ele eleva sua arte tétrica ao patamar da perfeição: o corpo humano e a imortalidade.
         Esta parte funciona não apenas como desfecho para o filme, mas também como uma síntese das três gerações mostradas, evidenciando as neuroses psicológicas de seus personagens e os desastres inevitáveis que acompanham seus vícios. O roteirista Zsófia Ruttkay, inspirando-se em obras de Lajos Parti Nagy, pretende atingir o psicológico dos personagens através da exploração física de seus corpos, indo até as últimas consequências, o que invariavelmente abre um mundo de horror e certa “beleza” figurativa constante.
         Com um elenco muito coerente nas três fases, ótima fotografia e uma trilha sonora competente (sem falar na sonoplastia "natural" dos momentos de horror), "Taxidermia" promete deixar marcas. É certo, porém, que, se o filme faz bem ao cérebro em questões de filosofia ou reflexões, não se pode dizer o mesmo do estômago; os menos preparados certamente terão dificuldade de concluí-lo. Mas, ignorando-se tal sensibilidade, é uma experiência inesquecível: bizarro, insólito, original e perturbadoramente insano.



         Conceito: Ótimo
Nota: 9,0

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

CRÍTICA: ÁGUA PARA ELEFANTES






Direção: Francis Lawrence
Gênero: Drama/Romance
Duração: 120 min.
Ano: 2011

Um grande espetáculo dramático


O diretor Francis Lawrence, responsável por alguns filmes esteticamente interessantes (como “Constantine” e “Eu sou a Lenda”) traz um filme que, de certa forma, inova seu estilo, uma vez que o cineasta é mais conhecido por longas de ação ou de ritmo ‘frenético’; de fato, “Água para elefantes” é uma obra sutil, leve e que deixa de lado a ação frenética para dar espaço a um drama bem construído e visualmente deslumbrante, ancorado em um desenvolvimento muito competente, ainda que um tanto melodramático em alguns momentos.
Roteirizado por Richard LaGravenese (“P.S. Eu te amo”), o filme é baseado no best-seller de Sara Gruen e fala sobre a vida do jovem estudante de veterinária Jacob Jankowski (Robert Pattinson), que, após perder tudo bruscamente – inclusive os pais – lança-se à toa ao mundo, em busca de algum sentido para sua vida daí em diante. Acaba indo parar no trem do proprietário de um circo e sua vida muda definitivamente a partir de então.
Duas facetas do filme ficam evidentes ao longo de sua projeção: a relação de Jacob com os animais e o romance dele por Marlena (Reese Witherspoon) esposa do dono do circo, August (Christoph Waltz). Sendo veterinário, Jacob se preocupa com o bem-estar dos animais do circo, mas isso constantemente vai de encontro aos interesses de August, que se mostra dominador, violento e mais preocupado com o lucro das exibições do que com a saúde dos animais. Sobra pouco espaço para o romance de Jacob e Marlena, e isto só ocorre positivamente depois da segunda metade do filme; contudo, desde o princípio vai-se formando um vínculo entre eles, a partir do amor de ambos pelos animais, em particular a elefanta Rosie, a principal atração dos shows, e cuja história servirá de amálgama à consumação da relação dos amantes.
No quesito atuação, Robert Pattinson até convence como protagonista, demonstrando que atingiu certo grau de maturidade após o mau começo em “Crepúsculo”. Sua interpretação é contida, meio chocha, mas se encaixa no perfil introvertido do personagem; certamente poderia ter sido melhor, mas não decepciona. Reese Witherspoon se destaca tanto em atuação quanto nas performances acrobáticas da personagem Marlena. Christoph Waltz dispensa comentários e certamente é o trunfo do filme: parece ter nascido para interpretar personagens instáveis e explosivos.
Por fim, outro mérito relevante do filme, perceptível desde seu início, é, sem dúvida, a fotografia fantástica, de um visual vivo que deslumbra os olhos, particularmente por ser um drama de época. De fato, a direção fotográfica de Rodrigo Prieto , o mesmo responsável pela de "O segredo de Brokeback Mountain" ,  é impecável. Figurinos e cenários seguem a mesma estética e resultam no complemento que solidifica o filme como um verdadeiro espetáculo. Não é, para o cinema, o que diria August em relação ao circo, “o maior espetáculo da Terra”, mas encanta e compensa suas duas horas de duração.






Conceito: Ótimo
Nota: 9,0