sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crítica: Matrix



Direção: Andy/Larry Wachowski
Gênero: Ficção científica/Ação
Duração: 136 min.

Ano: 1999

A direção de Larry e Andy Wachowski combina ação e ficção científica de forma perfeita

“Desvende uma nova realidade através de Matrix.”
(Richard Corliss, “TIME”)


Um filme insuperável, mesmo por suas sequências, assim pode ser definido “Matrix”, um projeto que entrou para a história do cinema como um dos mais eletrizantes e inventivos filmes de ficção científica de todos os tempos. A direção equilibrada dos irmãos Wachowski conduz o filme com uma fluência que envolve o espectador cada vez mais numa trama em que cenas de ação são impecavelmente bem elaboradas, costuradas a diálogos altamente filosóficos.
Sobre as cenas de ação, copiadas infinitas vezes por outros filmes posteriores a este (como “Resident Evil”), são bastante inovadoras para a época; artes marciais coreografadas com perfeição, aliadas a novos efeitos especiais (vencedores do Oscar, nesse quesito), em que os personagens literalmente voam na tela, por vezes em movimentos estroboscópicos, desviando-se de golpes e balas; personagens que correm por paredes no sentido vertical, golpes filmados em vários ângulos simultaneamente, mostrados em câmera lenta e, como não poderia deixar de ser, verdadeiras tempestades de tiros, vidros estilhaçados e companhia...
A história de “Matrix” gira em torno de Neo (Keanu Reeves, péssimo ator sempre, mas que aqui se sai bem por não ter de explorar seu lado dramático precário), um hacker que se envolve numa intrincada trama onde a realidade e a ilusão, em seus sentidos literais, são confrontadas de uma forma alucinante: Neo descobre que toda a humanidade vive dentro da Matrix, que seria uma espécie de programa de computador extremamente complexo e avançado, forjado por máquinas inteligentes que pretendem usar as pessoas como fonte de energia. Naturalmente, algumas pessoas conseguem viver “desconectadas” da Matrix e tentam salvar o restante da humanidade dessa escravidão digital, o que não é tarefa simples, uma vez que as máquinas têm programas específicos para sua proteção e manipulação dos seres humanos. Os principais deles são as sentinelas e os agentes, estes últimos absolutamente letais e que têm a função de manter a Matrix intacta, sem a intromissão dos humanos em seus “propósitos”.
As cenas de ação articulam-se basicamente nas lutas entre Neo, seus novos amigos, Morpheu (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie Anne Moss), que o ajudam a se desconectar da Matrix, e os agentes, que os perseguem durante toda a película. Entretanto, tais cenas não servem, aqui, para tornar o filme apelativo ou apoiado apenas nisso; a direção considerou – acertadamente – melhor contextualizar as lutas e demais cenas de ação à trama, tornando-as necessárias, não simples apêndices para contar na duração do longa.

         Outro enorme destaque do filme são os diálogos entre Neo, Morpheu e o agente Smith (Hugo Weaving), ao discursar sobre vida, existência, realidade, sonho, ilusão, morte, tempo e espaço. Tais momentos, longe de tornarem o filme arrastado, dão ao mesmo nova perspectiva e novo ar a um gênero de cinema já tão desgastado. Sobretudo, a mentalidade do agente Smith, ao se referir à humanidade como “o câncer” do planeta, faz-nos pensar sobre as dimensões desse ponto de vista e até mesmo sobre a  dependência dos seres humanos às máquinas, algo sempre contemporâneo.
         Infelizmente, o que desgasta “Matrix” são suas sequências: “Reloaded” e “Revolutions”, que mastigam pouco roteiro e exageram nas cenas de ação, ignorando quase que inteiramente a filosofia do filme original. Pior que isso: o último filme da trilogia, “Revolutions”, é uma das piores conclusões cinematográficas de todos os tempos. 



Conceito: Excelente
Nota: 10,0

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Crítica: O Silêncio dos Inocentes

     



Jonathan Demme apresenta o melhor suspense de todos os tempos


"Pavoroso, intrigantemente erótico e íntimo... este thriller assustador é um exercício eletrizante da arte do suspense!"

(Newsweek)


           No ano de 1991 um filme chamou a atenção do público e, principalmente, da crítica da época, por apresentar um vilão psicótico e carismático, cuja relação com uma agente do FBI foi, além de conturbada, bastante memorável. Muito mais do que um suspense de primeira linha, "O Silêncio dos Inocentes" (The Silence of the Lambs) se supera em relação aos outros filmes do gênero por sua profundidade , tornando-se, assim, uma obra de terror psicológico absolutamente indispensável do diretor Jonathan Demme (vencedor do Oscar de Melhor Diretor por esta obra).
         Baseado no livro homônimo de Thomas Harris (adaptado por Ted Tally, vencedor do Oscar por Melhor Roteiro Adaptado), "O Silêncio dos Inocentes" é um filme hipnotizante no qual todos os elementos são desenvolvidos de maneira a perturbar o espectador das formas mais sombrias e desconfortáveis. A história gira em torno da típica perseguição a um assassino em série, mas diferentemente das outras obras, que apelam para a exibição de sangue, vísceras e torturas na tentativa de conferir intensidade às suas tramas – e raramente conseguem –, o filme de Demme se destaca por sua sutileza e pela tensão sugestiva que provoca.
Os destaques, como todos já sabem, são Jodie Foster, como a agente Clarice Starling, em sua caçada desnorteada a Buffalo Bill (Ted Levine), um assassino evasivo, sádico e transtornado com sua sexualidade, e que mata mulheres "cheinhas" para esfolá-las, e Anthony Hopkins (de "Drácula de Bram Stoker"), como o famoso canibal Hannibal Lecter, outro assassino perigosíssimo, preso no manicômio de Baltimore, em estado de isolamento máximo. Além de assassino, o Dr. Hannibal Lecter é um psiquiatra brilhante, capaz de se "infiltrar" na mente das pessoas simplesmente para se satisfazer à custa do sofrimento psicológico causado por sua influência. Hopkins ficou perfeito no papel desse vilão transtornado, transmitindo com fluência sua psicótica loucura existencial e seu poder de manipular as pessoas de formas aparentemente simples, mas cheias de genialidade. Isso é perceptível, por exemplo, nas cenas em que ele pressiona Starling a falar dos traumas de sua infância: morte do pai, relação com o restante da família e decisão de entrar para o FBI.
          Ademais, o filme é conduzido com um clima denso que prende a atenção com uma estrutura complexa e, ao mesmo tempo, direta e crua. Não há cenas de violência explícita, mas o horror fica por conta da sugestão. As vítimas de Buffalo não são mostradas durante o esfolamento, apenas por meio de closes rápidos ou fotografias; a tortura é extremamente psicológica, como vemos ocorrer com a filha da senadora durante boa parte do filme. Demme acerta também ao apostar em cenários escuros com a finalidade de provocar um desconforto claustrofóbico e consegue esse efeito em várias partes do filme: dos corredores sombrios do manicômio onde Hannibal está até o “covil” de Buffalo Bill.
A tensão do longa chega ao ápice quando Starling encontra o assassino e o persegue pelos corredores escuros (verdadeiro labirinto) da casa dele, uma cena que certamente entrou para a história do cinema como uma das mais eletrizantes e assustadoras, justamente porque se dá às escuras, de modo que tanto a personagem quanto o espectador estão desnorteados, e o perigo pode estar em qualquer lugar onde menos se espera.
         As borboletas, enfim, usadas como símbolos e marca registrada do assassino, passam perfeitamente a sensação desagradável de referência à morte nesse contexto, pois são deixadas nos cadáveres das vítimas como uma assinatura pessoal e pista para a “transformação” que Buffalo Bill almeja; transformação essa que choca quando descobrimos seu plano.
Ao fim da projeção, é fácil notar por que "O Silêncio dos Inocentes" é um filme de inúmeros méritos, felizmente reconhecidos pela Academia, que o premiou com os cinco Oscars mais cobiçados de 1991: Melhor Filme, Melhor Ator (Hopkins), Melhor Atriz (Foster), Melhor Roteiro Adaptado (Tally) e, claro, Melhor Diretor (Demme). Trata-se de um filme no qual a soma de fatores técnicos e cinematográficos em geral compõem uma trama imperdível a todos os amantes do bom cinema de suspense.





Conceito: Excelente
Nota: 10,0



segunda-feira, 4 de junho de 2012

Crítica: Cidade dos Anjos

                                                                                                                                                         


Brad Silberling apresenta  um clássico romântico sensível e sóbrio

          Atualmente, o cinema e a literatura têm abordado todo tipo de fantasia e clichês sobrenaturais. O motivo? Fazer dinheiro fácil à custa de histórias vazias, abrilhantadas somente pela presença do clássico elemento sobrenatural... Nesse sentido, vemos vampiros sofrendo crises existenciais, anjos misteriosos que sofrem por não poder amar "a mocinha", dragões disfarçados e por aí vai...
          Uma rara exceção nesse cenário quase totalmente comercial é o filme "Cidade dos Anjos" (City of Angels), de Brad Silberling. Totalmente sensível, mas sem os clichês comuns ao gênero romance, o filme de Silberling é uma recriação do clássico "Asas do Desejo" (1987), do alemão Wim Wenders. Note-se que "Cidade dos Anjos" é uma "recriação", não exatamente uma "refilmagem", como muitos apontam. A obra de Silberling tem elementos próprios e particulares que fazem deste um dos melhores filmes românticos americanos de todos os tempos.
          O filme narra a história de Seth (Nicolas Cage, de "Motoqueiro Fantasma"), um anjo que vaga pelo planeta aliviando as perdas das pessoas e consolando-as. Naturalmente, sendo um anjo, ele é invisível aos mortais e suas únicas companhias são outros anjos que cumprem a mesma missão de ajudar as pessoas. Os anjos do longa não são representados de forma estereotipada, tocando harpa, loiros, com auréolas ou asas. Em vez disso, eles são sóbrios, se vestem de preto e gostam de ler e de assistir ao pôr do sol na praia. Esta representação poética é muito bem interpretada por Cage, cujo personagem se apaixona perdidamente por Maggie (Meg Ryan). Depois de perder um paciente, a competente Dra. Maggie sofre um choque brusco; ela fica abalada e é nesse meio tempo que Seth começa a prestar atenção nela. Daí, nasce um amor irresistível entre eles. Maggie é uma das poucas pessoas que conseguem enxergar Seth, mas aí vem a parte dramática do filme: sendo anjo, Seth não pode se relacionar com Maggie (pelo menos não sexualmente, já que ele não pode sentir o prazer do toque em sua totalidade). Por não ter os cinco sentidos humanos (olfato, tato, audição, paladar e visão) Seth pede que Maggie descreva as sensações passadas por esses sentidos. As descrições dela estão também entre os momentos mais sensíveis e poéticos do filme. Maggie fica encantada e confusa com Seth, uma vez que ele só pode ter com ela uma relação que transcenda o desejo sexual; o próprio amor que ele sente por ela não é carnal, mas "divino", ou seja, além da percepção humana. Entretanto, percebe-se, mesmo nesse amor transcendental certas conotações sexuais subliminares.Outro empecilho é a incredulidade de Maggie, que não se convence totalmente da divindade de Seth.
         A despeito desses fatores, Seth também deseja ter uma vida humana ao lado de Maggie, amá-la como um humano e, para isso, renuncia à sua imortalidade (outro momento poético), finalmente tornando-se um ser humano normal.
          Contudo, a maior poesia do filme está no final, trágico e arrebatador ao mesmo tempo. Seth pode sentir a humanidade em toda a sua grandeza de sensações, mas também a fragilidade da vida, tão limitada ao destino frágil e incerto. Sozinho, ele redescobre por conta própria o valor da vida.
          Para finalizar,  é preciso citar a ótima trilha sonora, com músicas sensíveis e que traduzem toda a sutileza de tão belo filme. Outro aspecto interessante é a época em que o filme foi lançado: 1998, ou seja, bem antes da invasão dos fenômenos adolescentes virais que rondam por aí hoje em dia. "Cidade dos Anjos" também não faz apelação à beleza dos atores, pois tanto Cage quanto Ryan são atores maduros que se destacam por suas interpretações cuidadosamente dosadas no bom senso, o que faz do filme um cult romântico adulto, sem exageros nem clichês superficiais e batidos.          



   


Conceito: Ótimo
Nota: 9,0


     

terça-feira, 29 de maio de 2012

Crítica: O Segredo de Brokeback Mountain

                                                


Direção: Ang Lee
Gênero: Drama
Duração:134 min.
Ano: 2005
"Excelente!"
(Veja São Paulo)

"Indispensável"
(IstoÉ Gente)


Diretor premiado aborda os múltiplos dramas da homossexualidade

         A homossexualidade sempre foi uma opção sexual problemática para homens e mulheres em todas as épocas. Ainda hoje, são frequentes os relatos e reportagens de pessoas que sofrem bullying (outro tema polêmico da atualidade), perseguição e as mais diversas formas de violência por homofobia. Se este comportamento brutal ainda está presente na nossa sociedade contemporânea, tão "civilizada", imagine-se como seria encarado um relacionamento homossexual em plenos anos 60. É fundamentando-se nessa questão que Ang Lee apresenta um dos filmes mais polêmicos e elogiados de todos os tempos.
          “O Segredo de Brokeback Mountain” é um filme que oscila entre a dureza de sua temática complexa – a homossexualidade – e a sutileza com que na trata questões secundárias ligadas ao "problema" de ser gay em um tempo marcado pela intolerância às diferenças. Ser homossexual na década de 60 era algo absolutamente condenável; este pensamento, como sabemos, não mudou muito com o passar dos anos. A história, baseada no conto de Annie Proulx, vencedor de um dos prêmios mais cobiçados da literatura americana, fala de dois vaqueiros, Ennis Del Mar (Heath Ledger, o Coringa de "O Cavaleiro das Trevas") e Jack Twist (Jake Gyllenhaal, de "O Dia Depois de Amanhã"), que se conhecem no trabalho de pastorear ovelhas na fictícia montanha Brokeback. Isolados ali, ao relento, sem muitas perspectivas para o futuro, os dois acabam por desenvolver uma certa afinidade, que logo se transforma em relacionamento sexual. Naturalmente, eles estranham esse relacionamento no início, pois até aquele momento não tinham consciência dessa atração por nenhuma outra pessoa do mesmo sexo. A relação deles se estreita e, quando chega a hora de cada um seguir seus caminhos é que eles percebem o quanto dependem,não apenas sexual, mas afetiva e psicologicamente um do outro.
          Eles se casam, com mulheres, evidentemente, têm filhos, mas mantêm em segredo essa relação que julgam ser página virada, até que se reencontram. Daí, desencadeia-se uma série de eventos dolorosos que fragilizam as convivências com suas respectivas "famílias hétero", resultando em sofrimentos, pressões morais, desentendimentos conjugais, separação. O maior conflito, nesse caso, é o vivido por Ennis e sua esposa Alma (Michelle Williams, esposa de Ledger também na vida real). Alma é a personificação da absoluta fragilidade feminina de época neste filme, sempre de olhos baixos, pálida e submissa, até descobrir o segredo do marido. A partir daí ela ganha alguma força, mais por desespero do que por qualquer outro motivo.
          Ang Lee retrata com extrema sensibilidade esse intrincado drama de amor - pois não deixa de ser um romance - fazendo-nos refletir sobre a dificuldade de se seguir uma moral imposta por uma sociedade falsamente moralista, de valores corrompidos. Nessa sociedade não cabe nenhuma expressão de afeto que fuja aos padrões ditados pela “normalidade”. Os demais aspectos técnicos do filme o complementam com um rigor impressionante; as atuações de Ledger e Gyllenhaal estão excelentes; os dois estão executando interpretações brilhantes e convincentes, e certamente entraram para a história do cinema: Ledger fechado, sério, introspectivo, falando pouco e com a boca quase fechada; Gyllenhaal mais expansivo e mais solto do que em seus poucos trabalhos anteriores (isso era fundamental, já que quase todas as iniciativas de sustentar a relação são tomadas por ele). Ambos foram merecidamente indicados ao Oscar nas categorias de “Melhor ator” e “Melhor ator coadjuvante” respectivamente.
Os outros detalhes estão extremamente alinhados ao contexto da narrativa: a fotografia é belíssima, natural; a trilha sonora, de Gustavo Santaolalla, composta principalmente por notas de violão, se insere nos momentos exatos para garantir mais emoção e impacto à narrativa - destaque para The Wings - ; o roteiro também está impecável: enxuto, direto e sensível simultaneamente (vendedor do Oscar de “Melhor roteiro adaptado”). Por esses e por outros detalhes que complementam a trama, "Brokeback Mountain" foi também indicado ao Oscar de Melhor Filme, infelizmente perdendo a estatueta para "Crash”. Ao menos é reconfortante saber que Ang Lee teve o reconhecimento da Academia por este trabalho tão ousado, ganhando a estatueta por “Melhor Diretor”.
Enfim, falar de "Brokeback Mountain" é uma tarefa fácil e difícil ao mesmo tempo; requer reflexão e coragem. Coragem para elogiar um filme tão belo e, mesmo assim, tão desprezado pelas pessoas mais conservadoras, que vivem ainda sob a sombra de preconceitos e pré-julgamentos.
         Entretanto, "Brokeback Mountain" está longe de ser um filme sobre ou para gays; não foi devido a seu conteúdo homossexual que ele tornou-se célebre, mas por sua mensagem essencial, que se aplica a todas as pessoas a quem se dirige o principal questionamento de Ang Lee nessa obra atemporal: as pessoas têm ou não o direito de ser felizes, mesmo que de forma diferente? Paralelamente, pode-se questionar o slogan do filme: “O amor é uma força da natureza”; então, perguntamo-nos se é possível refrear os instintos mais primitivos e ‘sagrados’ da vida: o amor sexual, apenas para estar em conformidade com modelos e regras obsoletos.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0




TRILHA SONORA:

A trilha de "Brokeback Mountain" está disponível para download  NESTE LINK