quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Crítica: O Impossível

O impossível





Filme espanhol se destaca pelo realismo e por interpretações precisas

Raramente aparece no cinema uma obra sobre catástrofes naturais que consiga equilibrar a emoção dos personagens e a preocupação com os aspectos técnicos, de forma a proporcionar uma experiência realista e sensível ao espectador. Felizmente, o novo filme de J. A. Bayona consegue atingir esse objetivo de maneira única e precisa. “O Impossível” (Lo Imposible) é uma produção que explora a grande tragédia do tsunami que atingiu o sudeste asiático no final de 2004, e retrata a devastação trazida pela catástrofe com o máximo de realismo, mas sem usar isso como pretexto para pecar no roteiro ou direção, como fez Rolland Emmerich em “2012”, por exemplo.
A história, anunciada como baseada em fatos reais, foi inspirada no livro autobiográfico de Maria Belón, uma sobrevivente do famigerado tsunami que, no momento do desastre estava na Tailândia, em férias com a família. Depois do tsunami, no qual perde contato com o marido e os filhos (ficando apenas com o menino mais velho, Lucas), Maria inicia uma jornada verdadeiramente épica para sobreviver em meio ao caos e reencontrar a família.
O filme de Bayona acerta em cheio ao retratar o drama da família de Maria e, por extenso, abordar o desespero de tantas outras famílias que, mesmo separadas por fatores extremos, lutam para superar os obstáculos e permanecer unidas. Esta é uma mensagem evidente do filme, transmitida com perfeição pelo elenco e pela direção, que equilibram drama e sensibilidade de maneira sublime. No elenco, a bela Naomi Watts é a protagonista, Maria, a mãe dedicada à família, que passa pelos maiores suplícios, tanto psicológicos – no desespero para encontrar ajuda - quanto físicos, uma vez que depois do tsunami ela fica bastante ferida, cheia de hematomas e cortes (destaque para a excelente e nauseante maquiagem de efeitos). Tão precisas são as expressões faciais de alegria, tristeza, dor, sofrimento e emoção de Watts que é fácil perceber o motivo pelo qual ela foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por este papel.
As demais interpretações também estão impecáveis, com ênfase para o ator mirim Tom Holland, que vive Lucas, o filho mais velho de Maria; ele é o garoto forte que se tornará o maior apoio da mãe e não é exagero dizer que ele é a sua salvação. Outro que dispensa comentários é Ewan McGregor, que interpreta Henry, o marido de Maria, igualmente desesperado por encontrar a família depois da devastação. McGregor é um daqueles poucos atores que fazem jus à expressão “falar com os olhos”; ele transmite o máximo de sinceridade e espontaneidade em suas interpretações e é realmente impossível não se emocionar com a angústia dele, seu choro e sua esperança quase quixotesca em reencontrar a família.
A tragédia em si, o tsunami e a devastação foram extremamente bem elaborados; o momento da chegada da onda gigante no hotel onde a família de Maria está hospedada é impactante. É interessante que tudo tenha sido planejado com realismo nessas cenas de destruição; utilizou-se água “real”, não o CG ridículo e artificial, como do já mencionado filme de Emmerich. As cenas que se seguem, em meio à lama, também mostram a habilidade de Bayona em captar os melhores ângulos de cena, tornando a obra visualmente forte e visceral, sem perder o bom gosto.
“O Impossível” é, então, um drama sensível e equilibrado, sem melodrama, mas que evidentemente foi feito para emocionar. Esse objetivo audacioso é duplamente alcançado através da história dolorosa de uma tragédia que separou (quando não destruiu) pessoas e também por meio da representação cativante da importância da família e da força de vontade do ser humano, sua capacidade de fazer o bem. Bayona prova com maestria que, a despeito do título do filme, nada é impossível para o espírito humano.




Conceito: Excelente
Nota: 10,0

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Crítica: Desejo e Reparação



Desejo & Reparação


Filme de Joe Wright é muito mais denso e complexo do que romântico

"O mais próximo da perfeição possível"
(Daily Mirror)
Joe Wright já havia demonstrado muita habilidade em dirigir adaptações literárias ao realizar “Orgulho e Preconceito”, filme que lhe rendeu reconhecimento de público e, principalmente, de crítica. Dessa vez ele retorna à direção de uma adaptação do best-seller de Ian McEwan, “Atonement”, ressaltando com maestria a face sombria e de caráter mais psicológico do que romântico de uma história cheia de segredos e ressentimentos em constante atrito.
A história, que se passa no contexto tenso da Segunda Guerra, fala do romance entre Cecilia (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy), amantes que vivem um caso mais ou menos secreto: ela é filha de uma família rica, enquanto ele é apenas o filho de uma empregada da casa de Cecilia. Paralelamente, e com um destaque maior, conhecemos Briony (Saoirse Ronan), irmã mais nova de Cecilia, recém-chegada à adolescência, mas extremamente perspicaz e de uma inteligência aguda. Briony, mesmo muito jovem, tem um talento incomum com a escrita, uma imaginação muito fértil e complexa, razão pela qual ela parece mais madura intelectualmente do que é, de fato.
Justamente é essa habilidade criativa de Briony que, de forma inconsequente, embora consciente, destruirá as ilusões de amor de sua irmã, desestruturará sua família e, por fim, virá a ser sua própria destruição moral. A partir do momento em que Briony interpreta uma estranha cena entre Cecilia e Robbie com uma conotação puramente sexual, sua imaginação constrói conexões erradas e, consequentemente, altera o futuro de todos.
O que diferencia “Desejo e Reparação” dos demais filmes rotulados como românticos é a soma entre os fatores técnicos que, no fim das contas, resultam em uma das melhores obras-primas contemporâneas do gênero romance/drama. Os destaques do filme são, sem dúvida, as irmãs Tallis; Keira Knightley, como sempre, não decepciona o espectador e interpreta uma Cecilia convincente, muito humana e longe dos estereótipos e clichês românticos. Ela é forte e demonstra uma independência em suas ações que agrada o público sem nunca perder o foco ou a identidade da personagem. Contudo, a interpretação mestra é a de Saoirse Ronan como a jovem Briony. É impressionante como a atriz consegue fazer de sua personagem a mais “detestável” e, mesmo assim, a que mais tem sentimentos, embora confusos. Ela apresenta todas as faces necessárias para oscilar entre a ingenuidade infantil e a malícia adulta, plenamente executadas no decorrer do filme.
A direção rigorosa, porém sensível, de Wright abre espaço para questionamentos durante e após a projeção, evitando atirar os fatos na cara de quem está do outro lado da tela. Em vez disso, acompanhamos gradualmente a transformação dos personagens com o tempo, bem como as reviravoltas na história, tudo meticulosamente organizado e apresentado muitas vezes de forma implícita, razão pela qual o filme deve ser visto mais de uma vez para sua completa interpretação. Quem está a fim de diversão e dramalhão bobo, é melhor procurar um dos atuais romances adolescentes acéfalos que estão enchendo os olhos e os bolsos de Hollywood... entretanto, para quem busca uma história instigante, que provoque reflexões sobre as consequências dos atos e a psicologia de personagens profundos, “Desejo e Reparação” é um daqueles filmes ideais.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0