quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Crítica: Orgulho & Preconceito




Direção: Joe Wright
Gênero: Romance
Duração: 127 min.
Ano: 2005
“Um filme brilhante.”
(Bill Zwecker CBS-TV)

“Delirantemente charmoso”
(Ruthe Stein – San Francisco Chronicle)

Uma adaptação que honra com maestria e elegância a obra de Austen

As obras clássicas da literatura estão constantemente sendo adaptadas para o cinema, mas o resultado nem sempre é agradável. Um dos erros mais frequentes é a ideia de atualizar a história e suas peculiaridades para novos públicos, ignorando-se intencionalmente os “detalhes” de época, que são, afinal de contas, parte essencial no contexto de tais obras. Felizmente, o diretor Joe Wright (pouco conhecido até a produção deste filme) percebeu a importância crucial dos detalhes históricos na reconstrução cinematográfica de um livro e entregou um dos filmes mais fiéis e dignos da obra original já produzidos.
A trama de “Orgulho e Preconceito” (Pride and Prejudice) desenvolve-se a partir da curiosa – mas, muito comum na época – situação da família Benneth, cuja matriarca (Brenda Blethyn) leva a vida planejando bons arranjos de casamento para suas cinco filhas: Jane, Lydia, Mary, Kitty e a protagonista, Elizabeth. Dentro do contexto social da Inglaterra, no século XVIII, esta era uma preocupação de grande importância, uma vez que desses arranjos dependia o futuro de toda uma família. Enquanto as demais Benneth são relativamente passivas diante dessa “obsessão” da mãe em querer casá-las, Elizabeth (Keira Knightley) demonstra um pouco mais de orgulho e espírito livre, não desejando se casar apenas para agradar a sociedade. Quando uma propriedade vizinha à dos Benneth é alugada por um senhor rico e solteiro, a senhora Benneth e as filhas ficam alvoroçadas para conhecer o futuro pretendente. Entretanto, o locatário traz consigo um amigo, Darcy (Matthew MacFadyen), um homem orgulhoso e circunspecto, que vive com Elizabeth uma relação conturbada de aparente rejeição, marcada por epigramas e disputas intelectuais, uma vez que eles fazem um julgamento precipitado do outro.
Esta é a sétima adaptação da obra de Jane Austen (incluindo-se as versões televisivas) e é interessante ver o quanto Wright, mesmo sendo estreante, conseguiu captar a essência do livro e levá-la às telas, sem se tornar repetitivo ou clichê; em vez disso, ele imprimiu um estilo próprio à produção, demonstrando um equilíbrio exemplar em ritmo e desenvolvimento da trama. Algumas alterações notáveis foram feitas no roteiro original, mas não houve desrespeito ao contexto da história ou simplificações no sentido de acelerar a narrativa; o que se vê é um trabalho no qual toda uma pesquisa e um estudo profundo do romance resultaram em cuidadosa produção, riquíssima em detalhes.
Esses detalhes mencionados estão presentes o tempo todo na projeção: a linguagem rebuscada, típica do período em que se passa a história, os cumprimentos por reverência, o puritanismo da intimidade – onde um toque ou um olhar são suficientemente excitantes e demonstram o máximo de afeição -, a submissão das mulheres aos casamentos por acordo dos pais... Essa riqueza de observação histórica, aliada a uma magnífica reconstrução de ambientes de época (mansões suntuosas, salões de baile) trazem à tona toda a beleza do livro, sem, contudo, apoiar-se nesses acessórios para enganar os olhos com um drama meloso.
Na verdade, os protagonistas Elizabeth e Darcy, mesmo que estejam no típico papel de par que se odeia até uma declaração de amor no final, estão muito longe de corresponder às expectativas superficiais de um filme melodramático ou de uma comédia romântica. Eles são personagens complexos, que se desenvolvem com o passar do tempo, revelando que as primeiras impressões negativas que tiveram estavam fundamentadas apenas em uma visão rasa, enquanto, na verdade, todos têm suas razões para ser como são.
Keira Knightley demonstra segurança em sua interpretação cheia de carisma e inteligência, enquanto MacFadyen incorporou brilhantemente o personagem sério e altivo, mesclando um ar aristocrático ao seu lado humano, que se revela em momentos-chave do filme: o toque de mãos quando se despedem, o pedido de casamento na chuva, a confissão sobre sua irmã, etc. Wright consegue, ainda, acentuar a relação entre os protagonistas em determinadas situações, sendo que a mais perceptível é durante o baile, quando Elizabeth e Darcy dançam em um salão “vazio” (está cheio de pessoas, mas o instante é tão lírico que eles só veem a si mesmos). O momento da dança é outro ponto de grande destaque em “Orgulho e Preconceito”, pois representava, na época do romance, um ritual de cortejo, de busca de um par e, certamente, de um cônjuge.

Todo filme que deseje ser lembrado deve ter sua marca própria, seu estilo pessoal, que o torne único. No caso da película de Joe Wright, isto se faz por meio de vários fatores; a fotografia bucólica é fantástica, de uma naturalidade vibrante, enquanto a trilha sonora de Dario Marianelli transmite a leveza ou a emoção necessária a cada momento. Não bastassem todas estas qualidades, o filme tem o charme de inspirar o espectador a querer conhecer a obra literária (ou relê-la), algo raramente observável nas outras adaptações que surgem dia após dia.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Crítica: Alice no País das Maravilhas



Direção: Tim Burton
Gênero: Fantasia
Duração:108 min.
                       Ano: 2010

Filme de Tim Burton é visualmente imperdível

O livro “Alice no País das Maravilhas” foi, sem dúvida nenhuma, um marco na literatura fantástica infantil, com sua trama surreal e cheia de ambiguidades. Como era de se esperar, inúmeras versões da obra de Lewis Carroll foram produzidas ao longo do tempo, de adaptações literárias a peças de teatro e filmes – incluindo a bela produção em desenho animado da Disney. É até estranho que tenha sido surpresa quando Tim Burton, conhecido pelas suas criações sombrias e bem-humoradas, anunciou que realizaria uma nova versão do clássico de Carroll.
“Alice no País das Maravilhas” (Alice in Wonderland) é, na verdade, uma adaptação livre não apenas da obra que lhe dá o título, mas também da história seguinte, “Alice no País do Espelho”, sem se prender a nenhuma delas rigorosamente. Isto não prejudica o filme; longe disso, o roteiro inteligente de Linda Woolverton alia os pontos principais de ambas as obras e ainda constrói uma espécie de continuação, de modo que todos os personagens preservam as características essenciais e a trama se mantém fluente por quase toda a projeção, salvo pequenas falhas de ritmo.
Na nova versão, temos uma Alice (Mia Wasikowska) adolescente que, depois de passar toda a infância “sonhando” com o Mundo Subterrâneo (ou País das Maravilhas), tem que enfrentar o moralismo vitoriano de sua época e decidir se quer casar com um homem a quem não ama. No exato dia do pedido de noivado, ela (re)encontra o Coelho Branco e mais uma vez (ou seria a primeira?) cai na toca dele, indo parar no estranho e divertido mundo a que tanto viajou enquanto criança. O início de sua jornada no País das Maravilhas é relativamente fiel ao do livro, tendo até a hilária situação de seus crescimentos e diminuições, enquanto come do bolo e toma do líquido da garrafa mágica na Sala Redonda. Em seguida, ela reencontra os personagens célebres daquele mundo surreal: o Coelho, a lagarta Absolem, os gêmeos Tweedledee e Tweedledum, a Lebre de Março e tantos outros, sem esquecer o principal deles: Chapeleiro Maluco (Johnny Depp, irreconhecível).
Enquanto vai (re)conhecendo o País das Maravilhas, Alice é notificada de uma “profecia”, na qual deve enfrentar a tirania da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) e ajudar a Rainha Branca (Anne Hathaway) a recuperar sua coroa. O filme trabalha basicamente a dúvida de Alice em assumir esta responsabilidade, uma vez que ela não tem certeza de que é a “Alice certa”.
Como ocorre com a maioria dos filmes de Burton, “Alice in Wonderland” dividiu opiniões e posturas da crítica, oscilando de boas recepções a indiferença. Muito se falou, por exemplo, sobre o vestido de Alice, que se ajusta aos seus estágios de crescimento, mas, sinceramente, não creio que este seja um “erro” a ser considerado ou criticado num filme de fantasia. É mais interessante falar das características técnicas e sobre a produção em si.
O visual do filme é fascinante, com cenários e criaturas digitais muito bem construídos, unindo a perspectiva de Burton e a própria imagem deixada pelos livros de Carroll, ambas repletas de bizarrices bem-humoradas. Quanto aos personagens, além do destaque de Depp como Chapeleiro Maluco, outra personagem importantíssima é a de Helena B. Carter como a nanica e cabeçuda Rainha Vermelha, sempre ávida por cabeças cortadas. A atriz parece ter um talento singular para incorporar esse tipo de personagem, assumindo trejeitos, olhares e gritos que a tornam irritante, mas divertidíssima como vilã.
Entretanto, analisando minuciosamente, o filme possui pequenas falhas. Uma delas é a presença de Anne Hathaway, que apesar de ser ótima atriz, está meio fora de foco aqui; talvez porque sua personagem seja muito pequena e ela tenha sido reduzida a simplesmente uma participação de luxo. A protagonista, Mia Wasikowska também careceu de um pouco mais de carisma e personalidade, duas características fundamentais para levar o espectador a sentir empatia por um personagem. O roteiro, embora fluente e inteligente, como já mencionado, é um tanto arrastado no início (na parte que precede o retorno da protagonista ao Mundo Subterrâneo). Obviamente, isto se fez necessário para explicar as circunstâncias que levarão Alice de volta a Wonderland, mas quebra um pouco do ritmo que o filme tenta estabelecer. Felizmente, minutos depois ele recupera o fôlego e enche os olhos do espectador com suas situações surreais e dinâmicas, em especial sob uma perspectiva visual.

Ao fim, a sensação que fica de “Alice no País das Maravilhas” é que ele proporciona uma satisfação sensorial fascinante, funcionando como um entretenimento realmente divertido, a despeito de seus pequenos deslizes, perdoáveis pelo prazer de distrair olhos e mente com mais uma produção marcante de Tim Burton. Só o fato de terem tido a ideia de criar uma Alice mais madura sem as apelações bobas e românticas típicas do cinema para adolescentes (Alice vivendo um romance com o Chapeleiro, por exemplo, seria insuportável) já é algo louvável e digno para a obra.


Conceito: Ótimo
Nota: 9,0



CURIOSIDADES SOBRE ESTE FILME:

v "Alice no País das Maravilhas" foi indicado ao Globo de Ouro de "Melhor Filme - Comédia ou Musical" e também ao Globo de Ouro de "Melhor Trilha Sonora";
v Johnny Depp foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator - Comédia ou Musical.
v Os custos de "Alice no País das Maravilhas" foram de US$ 200 milhões, um investimento com retorno de US$ 1.024 bilhões nas bilheterias.

v Esta é a segunda versão do livro de Carroll para o cinema (excetuando a versão animada), sendo que a primeira é de 1951.

TRILHA SONORA

Faça o download da trilha sonora de "Alice in Wonderland" por meio do seguinte link: http://depositfiles.org/files/pfa0zqcoy

Um dos temas do filme é interpretado por Avril Lavigne e intitula-se "Alice". Confira o videoclipe a seguir: 



Para mais informações extras sobre "Alice in Wonderland", acesse os vídeos indicados:

BASTIDORES: http://www.youtube.com/watch?v=KtA4sF_CvIs‎
EFEITOS ESPECIAIS: http://www.youtube.com/watch?v=NnZH7A_JHVs‎
FIGURINOS: http://www.youtube.com/watch?v=7u-p0R8e8pM‎

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crítica: Turistas




Direção: John Stockwell
Gênero: Terror/Suspense
Duração: 94 min.
Ano: 2006

“Chocante e genuinamente assustador!” (Maxim)

John Stockwell e sua grande piada mal interpretada

Que o gênero terror adolescente está completamente desgastado atualmente, não há como negar; os roteiros seguem a mesma estrutura simplista e pouco inteligente que já virou estereótipo: jovens que se aventuram em uma situação perigosa sem enxergar os riscos mais óbvios, até serem caçados e massacrados, um a um. O que muda, geralmente, são os níveis de violência e as locações. Pois bem, o diretor John Stockwell resolveu utilizar o Brasil como locação para rodar mais um filme do gênero “horror teen” e o resultado final... embora não tenha sido, de forma alguma, brilhante, ao menos soube cumprir, dentro de sua mediocridade, o objetivo a que se propunha, acrescentando até certa dose de inovação.
A trama de “Turistas” (o título original é mesmo em português) gira em torno do típico grupo de jovens aventureiros de férias pelo Brasil. O ônibus em que viajam quebra-se e eles ficam literalmente perdidos no meio do mato. Irritados, já começam arranjando briga com o motorista e com um dos passageiros, indo em seguida parar em uma praia paradisíaca, onde se fartam de bebidas, dança e sexo – elementos tradicionais nesse estilo de produção. No dia seguinte, acordam jogados na praia, sem dinheiro e sem documentos, aceitando a ajuda de um estranho e indo parar justamente no epicentro de seu maior pesadelo: tornam-se vítimas de uma quadrilha de tráfico de órgãos.
A crítica estrangeira – e a nacional também – foi terrivelmente desfavorável ao filme de Stockwell, apontando falhas técnicas como inexperiência na direção, elenco ruim e, evidentemente, roteiro inconsistente. Contudo, se “Turistas” não é mais que um filme B comum, ao menos houve uma inovação interessante e criticamente reflexiva na perspectiva do ‘vilão’, que, diferente da maioria dos filmes, não é um sádico que gosta de matar por prazer. Ele até se justifica para uma vítima: “Se vai fazer você se sentir melhor, saiba que eu faço isso por uma boa causa”; de fato, em seguida ele faz seu discurso sobre as razões que o levam a praticar aqueles crimes. A explicação do Dr. Zamora (Miguel Lunardi) até que é bastante plausível – para não dizer ‘humanitária’ e ‘politicamente correta’, já que é bastante distorcida também – trazendo à tona a revolta dele, habitante de um país pobre e subjugado historicamente pelas metrópoles mundiais. O motivo pelo qual ele extrai os órgãos dos turistas demonstra sua tentativa em buscar um equilíbrio, uma compensação pelas riquezas brasileiras roubadas pelos ‘gringos’.
Apesar da já batida comparação de “Turistas” com “O Albergue” (filme de Eli Roth), o fato é que ambos possuem poucas semelhanças: o roteiro que mostra a xenofobia de forma escrachada e altas doses de violência explícita. Entretanto, se é inegável que o filme de Roth é superior ao de Stockwell, essa qualidade a mais se restringe basicamente a conceitos técnicos: fotografia, música e roteiro. Nem a direção de “O Albergue” fica muito à frente da de Stockwell, pois aquele filme tem também problemas de ritmo e cai muitas vezes no clichê, especialmente na primeira metade. Tirando-se a participação de Tarantino como produtor, muito pouco sobraria do filme de Roth. Mas, voltando a “Turistas”, este filme não possui tanta violência quanto “O Albergue”, mas sabe os momentos certos de usar violência e mostrar sangue, o que ocorre sempre acompanhado de uma fotografia escura, que sugere um clima de tensão interessante. Outro aspecto curioso é a trilha sonora, composta exclusivamente por músicas brasileiras, o que funcionou bem para o contexto essencial do filme, até certo ponto, destacando-se os créditos de abertura com música de Marcelo D2 intercalando imagens atraentes do Brasil (praias, mulheres de biquíni, carnaval) a anúncios de desaparecimentos de turistas.
Os protagonistas de “Turistas” são, provavelmente, seu ponto mais negativo, não tendo nada de especial; pelo contrário, são daquele tipo que quando morrerem farão um favor ao mundo (!), em especial o protagonista Josh Duhammel, que não demonstra nenhum carisma. Além disso, são estúpidos o bastante para nem saber o idioma que é falado no país. Contudo, algumas falas dos personagens são bastante críticas e verdadeiras, revelando uma perspectiva sobre o Brasil que não está longe da realidade: “Por que tudo demora tanto aqui?”, “A polícia? E eles não são piores que os bandidos?”.

Resumindo tudo, “Turistas” não é um filme inesquecível nem o melhor sobre massacres de jovens cabeças-ocas, mas oferece um entretenimento razoável desde que o espectador não o leve muito a sério. O segredo é encarar John Stockwell como um comediante que acaba de contar uma grande piada... grosseira e meio sem nexo, mas ainda assim uma piada. Se o roteiro, a direção e os protagonistas não são muito bons, vale a pena ao menos pensar na “humanidade” de Zamora, um pobre Dom Quixote que tenta, do seu jeito torto, defender a pátria que ama, fazendo justiça com as próprias mãos – literal e sanguinariamente.


Conceito: Bom
Nota: 7,0





Curiosidades sobre este filme

v “Turistas” é também conhecido pelo título alternativo “Paradise Lost”;
v Houve tentativas de boicote ao filme no Brasil;
v “Turistas” foi considerado, pela Fangoria Magazine, “Melhor e mais assustador do que O Albergue!”.
v Todas as músicas do filme são brasileiras.


Para mais informações sobre o filme "Turistas", acompanhe os bastidores de filmagem a seguir:






quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Crítica: O Leitor



Direção: Stephen Daldry
Gênero: Drama
Duração: 124 min.
Ano: 2008

...uma obra-prima... (New York Observer)

Filme de Daldry fala sobre verdades, passado, sexo e vergonhas

Quando o talento de um diretor encontra uma obra profunda à qual pode dar vida nas telas, o resultado tende a ser bastante positivo; entretanto, se o diretor e os demais envolvidos na produção conseguem trazer para o filme as atuações responsáveis de atores comprometidos com o verdadeiro significado da palavra ‘cinema’, o resultado passa de positivo a fascinante. Este definitivamente é o caso de “O Leitor” (The Reader).
     “O LEITOR” é um filme perturbador em sua trama, multifacetado e pulsante, do diretor Stephen Daldry (aclamado por seu trabalho em “AS HORAS”). Baseado no best-seller de Bernhard Schlink – com grande fidelidade –, o longa se passa na Alemanha devastada e em processo de reconstrução, logo após a Segunda Guerra. 
      No início, vemos Michael Berg (Ralph Fiennes, de “O JARDINEIRO FIEL”) recordando-se de sua juventude, quando, em 1958, aos quinze anos de idade, conheceu Hanna Schmitz (Kate Winslet, de “TITANIC”, sempre impecável), uma mulher solitária e misteriosa, bem mais velha que ele, com quem começa a ter uma espécie de iniciação sexual.  Daí em frente, ocorre o que parece ser um pacto: Michael lê trechos de livros para Hanna, já que ela gosta de ouvir leituras. Em troca, ela faz amor com ele, num ritual que, se considerarmos o filme como um todo, assemelha-se a um tipo de terapia recíproca, uma vez que cada um deles transparece ao outro e para nós, espectadores, a sua incompletude existencial; ambos, assim como o restante de nós, possuem segredos, vergonhas, limitações pessoais. Entretanto, essa situação fica delicada com o passar do tempo, pois seu relacionamento estreita-se de forma crucial e irreversível, magoando a ambos e “redimindo-os” de seus conflitos pessoais através da companhia e do sexo.
       O caso deles dura apenas um verão, depois do qual os dois acabam por se separar e, quando Michael está na faculdade de Direito, assiste ao julgamento de Hanna, acusada de participar dos horrores do campo de concentração de Auschwitz. A partir daí, a história entra na parte em que se emaranha nas buscas de respostas, valores, e na perturbação em que Michael fica, impotente diante daquela situação, que vem reabrir antigas feridas e pôr em questão tudo aquilo em que ele acredita(va) a respeito de suas próprias experiências de vida.
O desenrolar doloroso e sem perspectivas de um “final feliz” para os protagonistas, cada qual preso em sua própria teia de sofrimentos e vergonhas ancoradas no passado, mas que estão sempre vindo à tona, conduz a dois principais caminhos: Hanna enfrentando, afinal de contas, seu maior medo/vergonha e superando este desafio, mesmo que sua redenção se faça através da expiação pela morte. Já Michael avalia, ainda hesitante, a profundidade e a influência de seu passado no agora, numa perspectiva angustiante e com resquícios de remorso que o acompanhará para sempre. Tudo isso ocorre de forma arrebatadora e psicologicamente progressiva, sem precipitações ou lacunas.
            Obviamente, faz-se necessário dizer algo acerca das características técnicas de uma obra tão ímpar. “O LEITOR” foi indicado a cinco Oscars – inclusive os cobiçados “Melhor Filme” e “Melhor Diretor” - destacando-se com “Melhor atriz” - Kate Winslet, que também ficou excelente na maquiagem pesada de idade avançada, já no final da película, com uma interpretação fantástica. Stephen Daldry conduz o filme de forma afiada, oscilando entre a linha tênue da perturbação e da comoção, o que imprime à trama todo o impacto necessário, fazendo-nos refletir sobre a importância daquilo a que chamamos "verdade" e "moralidade", quando vemos, por exemplo, a postura resignada de Hanna ou a covardia sistemática de Michael, conforme ele amadurece e deixa para trás seu lado mais impulsivo.      
A respeito do personagem Michael, certamente o ponto central do filme, já que este se estrutura em suas memórias (afinal de contas, ele é “o leitor”), há que se destacar interpretação de David Kross, que incorporou o jovem Michael muito bem, encaixando-se perfeitamente na interpretação posterior de Ralph Fiennes como o Michael mais velho. É interessante ver o contraste de suas atuações, que se agregam de formas muito diferentes: Kross, como o jovem arrebatado no início; Fiennes como um sujeito introspectivo. Kate Winslet, então, ao ganhar o Oscar e o Globo de Ouro por melhor atriz, dispensa quaisquer comentários a respeito de sua interpretação. 

      Quando termina “O LEITOR”, uma projeção que perturba e intriga, ficam muitas questões a ser debatidas: o quanto a verdade ou a moralidade são fundamentais? Quem é autor da verdade? A sociedade é guiada por que valores? Até que ponto podemos intervir no curso dos eventos que se desencadeiam ao nosso redor? “O LEITOR” não fornece respostas, uma das razões pelas quais ele é tão instigante. Basicamente, ele nos questiona sobre aquilo a que nem nos damos ao trabalho de pensar. Fica a mensagem do pôster: "Resolva este mistério"; mensagem aplicada ao conteúdo do longa-metragem e às nossas próprias existências, tão vazias às vezes.


Conceito: Excelente
Nota: 10,0



CURIOSIDADES SOBRE ESTE FILME

v Kate Winslet foi, desde o princípio, a atriz que o diretor Stephen Daldry queria para o papel de Hanna Schmitz, mas houve contratempos, já que ela estava “presa” às filmagens de “Foi Apenas um Sonho”;
v A atriz Nicole Kidman chegou a ser contratada para substituir Winslet, mas também teve que desistir do papel devido à sua gravidez;
v Juliette Binoche chegou a ser cotada para o papel;
v Essa demora na escolha de uma atriz deu tempo suficiente para que Kate Winslet finalmente pudesse aceitar o papel;
v Os produtores Sydney Pollack e Anthony Minghella morreram antes da conclusão do filme;
v “O Leitor” foi indicado aos Oscars de: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Atriz (no qual venceu), Melhor Diretor e Melhor Fotografia;

v O filme foi indicado também às categorias principais do Globo de Ouro e do BAFTA, vencendo com “Melhor Atriz” em ambos.

TRILHA SONORA



No vídeo a seguir, o diretor Stephen Daldry comenta o filme:




Para conhecer mais sobre o contexto do filme, acesse o vídeo seguinte, no qual Stephen Daldry e David Kross falam mais detalhadamente sobre a produção e suas perspectivas: http://www.youtube.com/watch?v=WajGBlGbS_c

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Crítica: Perfume: A História de um Assassino




Direção: Tom Tykwer
Gênero: Suspense
Duração: 147 min.

Ano: 2006

 "Uma adaptação fiel e engenhosa do best-seller do alemão Patrick Süskind” (Isabela Boscov, Revista Veja)

Tom Tykwer e seu filme intensamente sensorial

Em uma época em que inúmeras adaptações de romances adolescentes, remakes de terror e outras produções de gosto discutível invadem os cinemas, é uma agradável surpresa deparar-se com um filme diferente, que chega às telas pelas mãos de Tom Tykwer, diretor cujo nome talvez não seja ainda tão conhecido, mas que entrega uma obra verdadeiramente digna de ser vista.
“Perfume: A história de um assassino” é a adaptação do aclamado romance de Patrick Süskind, e se passa na França do século XVIII, girando em torno de Jean Baptiste Grenouille (Ben Whishaw, em interpretação magistral), um rapaz que nasce com um incrível dom: o olfato mais sensível e apurado do planeta. Sendo capaz de reconhecer e identificar qualquer aroma, Jean Baptiste passa a ficar obcecado pelos métodos de preservação das essências olfativas (cheiros) que o cercam, tornando-se aprendiz de um grande – e arrogante – perfumista francês, vivido por Dustin Hoffman, em uma de suas atuações hilárias.
Entretanto, depois de desvendar diversos segredos da prática de produção de perfumes finos, Grenouille percebe que seu próprio corpo não exala nenhum odor, e se convence de que precisa criar o perfume mais puro e poderoso já inventado. É a partir dessa obstinação pelo perfume perfeito que o filme de Tykwer faz jus ao subtítulo de “história de um assassino”; Grenouille descobre que a essência final e definitiva do perfume ideal deve ser extraída de jovens virgens mortas.
Evidentemente, este não é um mero filme de serial killer, até porque não há destaque para cenas de violência (decisão acertada do diretor, que, tal qual Jonathan Demme em “O silêncio dos inocentes”, prefere abordar a psicologia do vilão e criar um clima de tensão crescente essencialmente pela história). O foco maior de Tykwer é mostrar as circunstâncias intrínsecas/extrínsecas (instinto x sociedade) que levaram Jean Baptiste gradualmente a se tornar um assassino tão frio, embora sem perversão, em sua busca desenfreada pelo aroma sublime. É interessante observar que Grenouille não é necessariamente um típico perfil de assassino: ele não sente prazer ou alegria em matar; simplesmente extrai a essência de suas vítimas com a mesma naturalidade com que extraía das flores e ervas anteriormente.
Falar em Grenouille torna necessário citar, ainda que apenas por menção, o trabalho de Ben Whishaw, o ator que demonstrou incrível talento na pele deste personagem, que é igualmente gênio e monstro. De poucas palavras, quase um autista, o Jean vivido por Whishaw certamente convenceu – e muito bem – os leitores da obra de Süskind, bem como os espectadores que sentiam falta de um serial killer complexo, neste caso fascinado e seduzido pelos cheiros que o cercam. No restante do elenco, destacam-se Rachel Hurd-Wood,( do recente “O retrato de Dorian Gray”) e Alan Rickman (o eterno Snape de “Harry Potter”), que lutará para evitar que sua filha se torne a vítima final de Grenouille.
Este tópico dos cheiros, em especial, foi o maior triunfo de “Perfume”, do ponto de vista cinematográfico; Tykwer demonstra uma assustadora habilidade de projetar na tela todas as sensações olfativas que seu filme propõe. A cena inicial, sobretudo, que mostra a imundície do mercado a céu aberto em que Jean Baptiste nasceu é chocante. O espectador consegue “mentalizar” com precisão os cheiros desagradáveis de peixes, vísceras, vômitos e animais em decomposição que empestam aquele lugar sem o mínimo de higiene.

O ponto negativo de “Perfume”, ainda que não seja exatamente uma falha, mas um exagero do diretor é, ironicamente, seu clímax surreal, que provavelmente frustrará aqueles que não conhecem o romance no qual o filme se baseia. Não é possível falar dele sem dar spoiler, mas basta saber que, na ânsia de fazer o espectador perceber a grandeza absoluta do perfume perfeito, Tykwer cometeu o deslize de intensificar o efeito dessa essência de forma nada sutil, utilizando-se de apelação visual. Contudo, isto não estraga o filme; apenas pode frustrar um pouco as expectativas criadas acerca de seu desfecho. De toda forma, avaliando “Perfume” como um todo, o saldo final é satisfatório e deixa no ar um cheiro de intriga e tensão que perdura, mesmo depois dos créditos finais.




Conceito: Ótimo
Nota: 9,0