Direção: György Palfi
Gênero:
Drama/Comédia/Horror
Duração: 91 min.
Ano: 2006
Uma exposição
literalmente visceral dos limites humanos
Ejaculações, vômitos, defecação,
sessões explícitas de evisceração e outras escatologias do gênero preenchem a
história de três gerações de indivíduos cuja relação mórbida com seus próprios
corpos resulta em uma obra chocante e nauseante, mas bastante enriquecedora. Assim
é “Taxidermia”, filme húngaro realizado por György Pálfi. Profundamente nojento, do começo ao fim, o filme
perturba o espectador ao mesmo tempo em que o brinda com um roteiro inteligente
e repleto de simbolismos. Toda a nojeira que, a princípio, parece gratuita ou
pornográfica (há nudez e sexo explícito sob uma perspectiva nada apetecível) possui
um contexto interpretativo. Naturalmente, não é nem um pouco agradável
constatar isso através da visão de um pênis ejaculando chamas, sendo bicado por
uma ave, ou uma pessoa copulando com o cadáver de um porco, ou vomitando
ininterruptamente e explodindo de tanto comer, ou, ainda mais bizarro,
empalhando a si mesmo.
Ainda
que classificado como terror, o que se nota é um filme dramático com tendências
a humor negro e com críticas mordazes ao longo de seus três atos, cada qual
girando em torno da situação específica de um indivíduo e suas obsessões.
Na primeira parte, acompanhamos
Moroscovany (Csaba Czene), soldado que durante a Primeira Guerra, vivendo num
vilarejo microscópico e quase abandonado, tem a sua sexualidade reprimida,
tendo de recorrer ao voyeurismo e à masturbação para se aliviar dos desejos
carnais. Esta parte tematiza o sexo como força instintiva do ser humano,
obviamente apresentada do modo mais visceral e ‘sujo’, mostrando a bizarrice
das fantasias sexuais desenfreadas e insatisfeitas, que variam da adoração à
genitália feminina até a bestialidade, que encerra o ato com consequências
trágicas para o protagonista.
Justamente na transição do primeiro ao
segundo ato, há um impressionante simbolismo na cena em que uma banheira ‘gira’
em 360º, resumindo a bizarrice e, de modo geral, o ciclo da vida. É uma cena
extraordinariamente significativa.
Esta segunda parte gira em torno de
Kalman (Gergely Trócsányi), filho do protagonista do primeiro ato, o qual se
torna um imenso obeso em grau mórbido, que participa de competições de glutonaria
(ingestão de comida até o limite que o corpo humano pode suportar). A gula é o
tema que aparece em primeiro plano, embora se desdobre em outros aspectos, como
a “gula” por alguém, o desejo de posse ou a necessidade de absorver tudo ao
alcance das mãos.
Na terceira e última parte, a
comicidade doentia dos dois primeiros atos é deixada de lado e é adotado um tom
perturbador e psicologicamente bem articulado ao contar a história de Lajus
(Marc Bischoff), filho de Kalman – portanto, neto de Moroscovany. Ele é um
taxidermista magricela que contrasta exageradamente com o pai, que se tornou um
verdadeiro monstro sedentário que mal se move e que depende do filho até para
se alimentar. Lajus leva uma vida entediante e repetitiva, empalhando animais e
preocupado com o perfeccionismo estético que alcança sua consagração nos
momentos finais do filme, quando ele eleva sua arte tétrica ao patamar da
perfeição: o corpo humano e a imortalidade.
Esta parte funciona não apenas como
desfecho para o filme, mas também como uma síntese das três gerações mostradas,
evidenciando as neuroses psicológicas de seus personagens e os desastres
inevitáveis que acompanham seus vícios. O roteirista Zsófia Ruttkay,
inspirando-se em obras de Lajos Parti Nagy, pretende atingir o psicológico dos
personagens através da exploração física de seus corpos, indo até as últimas consequências,
o que invariavelmente abre um mundo de horror e certa “beleza” figurativa
constante.
Com um elenco muito coerente nas três fases, ótima fotografia e uma trilha sonora competente (sem falar na sonoplastia "natural" dos momentos de horror), "Taxidermia" promete deixar marcas. É certo, porém, que, se o filme faz bem ao
cérebro em questões de filosofia ou reflexões, não se pode dizer o mesmo do
estômago; os menos preparados certamente terão dificuldade de concluí-lo. Mas,
ignorando-se tal sensibilidade, é uma experiência inesquecível: bizarro, insólito, original e perturbadoramente insano.
Conceito: Ótimo
Nota: 9,0
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